Terça-feira -
VI Semana – Tempo Comum – Anos Ímpares –
Primeira
leitura: Génesis 6, 5-8; 7, 1-5.10
O pecado começa
a alastrar no mundo e parece comprometer a bondade da criação realizada por
Deus. Depois do pecado de Adão e Eva, vem o de Caim e os dos «filhos de Deus»,
provavelmente outros seres humanos e não anjos. E Deus chega a uma dolorosa
conclusão: «arrependeu-se de ter criado o homem sobre a Terra» (v. 6).
Deus não se arrepende da criação em si mesma, mas do pecado dos homens que a inquina e corrompe. O “arrependimento” de Deus corresponde à atitude
que os homens deveriam manifestar depois dos seus pecados, mas não manifestam.
O
“arrependimento” de Deus, se assim se pode dizer, leva-o a pensar no único
remédio possível para tão grave situação criada pelos homens rebeldes:
destruir, de-criar para re-criar, começar tudo de novo.
O mito do
dilúvio é velho como o mundo. Encontramos paralelos literários na antiga
Mesopotâmia e versões orais em quase todas as culturas primitivas. O autor
bíblico reelabora-o e utiliza-o como única solução para a maldade do homem. Mas
não se trata de um castigo indiscriminado de inocentes e culpados. A intenção
divina é, sobretudo, de recriar o mundo, de renovar
a face da terra.
Os que sobrevivem ao dilúvio representam toda a humanidade
salva das águas, os pais da nova família humana. Noé é como que um novo Adão,
com quem a vida humana recomeça. Na tradição cristã, Noé torna-se figura de
Jesus; o dilúvio, esboço do baptismo que nos salva; a arca, onde sobrevivem
homens e animais, imagem da “barca eclesial”.
O epílogo do
dilúvio, com o sacrifício agradável a Deus oferecido por Noé, como veremos
amanhã, encerra a perspectiva do aniquilamento da humanidade pecadora e abre a
uma promessa de Deus sobre a estabilidade da ordem natural. O Deus de face
irada dá lugar ao Deus princípio de vida: a graça sobrepõe-se ao juízo, a
bênção suplanta a maldição.
Evangelho:
Marcos 8, 14-21
Jesus pergunta
aos discípulos: «Tendes o vosso coração endurecido?» (v. 17). O tema do coração
endurecido, tão dramático e complexo nos Profetas e, de modo geral, no Antigo
Testamento, aparece nos Evangelhos a propósito da compreensão e da aceitação do
mistério do Reino proposto em parábolas (Mc 4, 10-12; Mt 13, 10-14; Lc 8, 9s.;
cf. Jo 12, 37-41). O Reino era novidade com que Deus surpreendia a todos. Só os corações simples, abertos e disponíveis
o podiam acolher. Por isso, era necessário não se deixar contaminar «com o
fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes» (v. 15), isto é, com o
orgulho e com a soberba dos fariseus e de Herodes.
Os fariseus
provavelmente esperavam um Messias triunfador que, com prodígios grandiosos,
submetesse o mundo ao poder de Israel. Mas não era essa a lógica de Jesus. A
salvação que nos oferece será realizada na partilha que multiplica o pão, e na
carne «mastigada», que se torna fonte de vida eterna, isto é, na sua passagem
pela morte. Será também esse o caminho dos discípulos e da Igreja, se quiserem
ser fiéis aos ensinamentos e ao exemplo de Jesus.
O coração é o
lugar onde se formam os pensamentos e se concebem as acções. Ao iniciar o
relato do dilúvio, o autor sagrado avança logo a causa de tal desgraça: «O
Senhor reconheceu que a maldade dos homens era grande na Terra, que todos os
seus pensamentos e desejos tendiam sempre e unicamente para o mal.» (v. 5).
Literalmente o texto de Gn 6, 5 diz: «Toda a formação dos pensamentos do seu
coração era somente mal todo o dia».
A maldade do coração do homem provoca o
desencanto e o sofrimento no coração de Deus: «O Senhor arrependeu-se de ter
criado o homem sobre a Terra, e o seu coração sofreu amargamente.» (v. 6). O
Senhor decide eliminar o homem, e todos os seres vivos, da face da terra. Mas o
seu coração não Lhe permite executar completamente uma decisão tão radical e
encontra logo um remédio para salvar a humanidade: «Noé, porém, era agradável
aos olhos do Senhor» (v. 8). E Deus encarrega-o de construir a arca da
salvação.
A história de
Noé prefigura a história de Jesus e revela, desde o princípio, a táctica
divina, que se compraz em usar instrumentos humildes e quase insignificantes,
como Noé e a barca, para salvar a humanidade. Assim acontecerá com a eleição do
povo de Israel, pequeno e fraco no meio das nações, mas escolhido por Deus para
mediar a salvação do mundo. Quando Israel falha na sua vocação e missão, Deus
abandona-o, reservando apenas uma pequena parte desse povo, o reino de Judá.
Quando também Judá se torna infiel, Deus entrega-o ao saque dos Assírios e
deixa-o ser levado cativo pelos Babilónios. Mas, ainda assim, o Senhor consegue
encontrar no meio desse povo alguns justos, que serão o começo de um povo novo,
humilde e berço da salvação. É dessas poucas pessoas que permaneceram fiéis que
Deus fará nascer o seu Filho. E a táctica de Deus continua até ao fim. Quando,
na paixão de Jesus, tudo se tornou mau, e o próprio Jesus está como que submerso
pelo pecado de todos, o seu Coração permanece aquele «pequeno resto» fiel por
meio do qual Deus salva o mundo. Esse Coração, morto e e trespassado na cruz,
ressuscita ao terceiro dia, manifestando a nossa salvação: Jesus, o único
justo, salva o mundo inteiro! É a táctica de Deus!
Essa mesma táctica se manifesta no evangelho. Aos inquietos discípulos com a falta de mantimentos, Jesus lembra a multiplicação dos pães: «Não vos lembrais de quantos cestos cheios de pedaços recolhestes, quando parti os cinco pães para aqueles cinco mil?» (vv. 18-19). Importante, importante não é ter muitas coisas, mas ter «o pão de Deus», isto é, Jesus!
Senhor Jesus,
ao contemplar o teu Coração, manso e humilde, trespassado na cruz, compreendo a
estratégia do Pai que se compraz em fazer grandes coisas, usando instrumentos
simples e fracos. É o que já tinha verificado ao reler o Antigo Testamento,
desde Noé a João Baptista, e ao pequeno grupo de pobres no meio quais quiseste
nascer e crescer. É o que vejo também agora em Ti, servo pobre de Deus e dos
homens, meu Salvador. É o que descubro na tua Igreja, ao longo de dois mil anos
de história. Na verdade, todas as grandes obras, que efectivamente contribuem
para o bem da humanidade, começam na humildade e na insignificância, aos olhos
do mundo. Mas Tu tiras delas grandes frutos para todos, quando permanecemos
unidos a Ti, único «pão descido do céu» para nossa salvação. Que eu esteja em
Ti, e Tu em mim, sempre.
Fonte: resumo e adaptação local de um texto de “dehonianos.org/portal/liturgia”
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