quinta-feira, 5 de junho de 2014

PARTILHAR, CRESCER, CONSOLIDAR. Carta Pastoral de D. Francisco sobre a Partilha e a sustentabilidade económica


V Carta Pastoral de D. Francisco

PARTILHAR, CRESCER, CONSOLIDAR

                  Carta Pastoral sobre a Partilha de bens e a sustentabilidade económica                 

 INTRODUÇÃO


Os cristãos e catecúmenos da Diocese de Gurúè, seguindo os ensinamentos dos apóstolos e o exemplo das primeiras comunidades cristãs (Act 2,44-47), queremos continuar a darmos passos significativos na partilha de bens para que a ninguém lhe falte o necessário para viver, para que ninguém sofra sozinho e para consolidarmos a nossa Igreja local. Neste sentido é que falámos do ministério da Caridade, da “Partilha” (Contribuição Diocesana ou Dízimo) e de autonomia económica das comunidades, das Paróquias e da Diocese. Para a vida da Diocese e das suas Paróquias, para organização e vida das comunidades e para a realização das suas actividades não podemos continuar a depender das ajudas vindas de fora. A sustentabilidade económica a partir da nossa realidade local continua a ser uma das prioridades da nossa Igreja local.

Não podemos mais ficar presos à dependência económica do exterior para o sustento da nossa Igreja. A dependência económica não forma parte de uma boa administração. Com a dependência económica nunca cresceremos.

Muitos ainda continuam a dizer que não têm dinheiro para entregar “a partilha” (contribuição diocesana ou dízimo). Muitas dessas desculpas nada mais são do que falta de conscientização, de responsabilidade, de amor e de para com a própria Igreja e para com os pobres. Ninguém se desinteressa com os problemas da própria família. “A partilha” (contribuição diocesana) desenvolve em nós o ”sentido de pertença” à nossa Igreja. É um tema exigente, requer esclarecimento, compreensão, responsabilidade, generosidade, sentido de pertença e amor à própria igreja

Vamos avançar vivendo, crescendo e consolidando a nossa fé e o nosso compromisso na partilha daquilo que somos e temos. Não se trata de darmos passos gigantes pois não temos muitos recursos. Moçambique continua a ser pobre aos níveis da pobreza absoluta e; e apesar de se encontrar entre os Países que mais estão a crescer (por causa dos grandes projectos do carvão, do gás natural e do petróleo), encontra-se entre os países mais pobres do mundo. Mesmo assim, pobres, sim que podemos fazer alguma coisa. Ninguém é tão pobre que não tenha nada para partilhar. Jesus louvou a viúva que deitou umas pequenas moedas nas ofertas do Templo. Elias também elogiou a viúva que lhe ofereceu o pouco que tinha. Também nós podemos dar da nossa pobreza e partilharmos o pouco que temos, caminhando pouco a pouco rumo a autonomia económica da nossa Diocese.

Conseguiremos este objectivo com a participação activa de todos os cristãos e catecúmenos. Para isso é necessário motivar, formar e informar todos os membros das comunidades, pois a Igreja somos todos nós. Trata-se de um assunto que nos pertence a todos. Ninguém pode ficar excluído.

Se não estivermos convencidos de que se trata de um assunto da nossa família cristã, então não será possível a participação consciente, livre e generosa de todos. A Igreja somos nós e ninguém de fora há-de vir a resolver os nossos problemas. Hoje mais do que nunca devemos dar sinais credíveis de solidariedade entre os irmãos e sinais de responsabilidade concreta para com a nossa Igreja.

 Na II Assembleia Nacional de Pastoral, Matola 1-11.12.1991, e na II Assembleia Diocesana de Pastoral de Gurúè (Milevane 4-6.07.2002), nas suas conclusões deram-se orientações sobre a necessidade e urgência de dar passos significativos nesta caminhada. E nas Conclusões da VI Assembleia Diocesana de Pastoral (Gurúè 11 – 14.03.2011) decidiu-se que o tema da Sustentabilidade económica devia ser um tema permanente durante o Triénio Pastoral (2012 – 2014), dando orientações concretas para serem implementadas durante estes três anos. Trata-se do caminho que encontramos nas “Orientações Diocesanas”.

Vejamos a seguir alguns pontos mais importantes para a reflexão e a compreensão deste tema. Podem servir-nos como guia para o estudo.

I.- O QUE É A ECONOMIA

1. A palavra “economia”

A palavra “economia” significa: boa administração das coisas da casa, isto é, administrar bem os bens, pôr em ordem e tratar bem tudo o que se possui.

A economia envolve o que diz respeito a administração dos bens que se possuam: dinheiro, terrenos, casas, trabalho, produção, comercialização (compras e vendas dos produtos), negócios, empréstimos e poupanças, isto é, guardar algum dinheiro ou depositar nos Bancos para garantir o futuro e melhorar as condições de vida. A economia se preocupa de como administrar os bens pessoais, familiares, comunitários, paroquiais, diocesanos, de uma empresa, de um grupo de pessoas e até a administração dos bens da Nação.

A economia serve para ajudar as pessoas a administrar da melhor maneira o que se possui em ordem a uma boa organização a própria vida e a do grupo a que se refere, fazê-la funcionar bem consoante a própria finalidade, e aumentar os próprios recursos, os próprios bens. Desta maneira garanta-se as condições de vida, melhora-se e consolida-se. Facilmente podemos compreender como é necessário e importante ter uma boa economia na vida das pessoas, nas suas famílias e na sociedade e na Igreja.

2. O poder do dinheiro

A Economia também tem outra cara.

No nosso tempo é o poder do dinheiro que faz mudar o coração das pessoas; é o poder do dinheiro que influencia o desenvolvimento dum país. É o poder do dinheiro que determina a vida das pessoas e dos países. Por isso é muito importante a economia a nível de todo o país. A este nível, o dinheiro também pode ser bem o mal usado.

Todos devemos participar nos bens destinados a todos, em vez de ser criar grandes distâncias num mesmo país entre cidadãos muito ricos e cidadãos muito pobres. Uns cidadãos que têm tudo e nada lhes faltam; e outros cidadãos que apenas têm o necessário para subsistirem. Os pobres ficam cada vez mais pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos (PAULO VI, O Progresso dos Povos, nº 8; JOÃO PAULO II, A Solicitude Social, nn. 21-22).

3. A boa administração

Administrar não é apenas dar destino aos recursos financeiros (ao dinheiro) mas sobretudo gerenciar da melhor maneira as entradas (as receitas ou todo o dinheiro que se recolhe das ofertas e das actividades) e as saídas, isto é, usar o dinheiro recebido segundo as orientações estabelecidas e programadas.

Administrar justamente é também prestar contas do que foi feito, das entradas e das saídas realizadas, e, ao mesmo tempo, informar a comunidade sobre o que foi recebido e o que foi feito com o dinheiro recolhido. Todos devem conhecer a situação económica.

Eis em resumo as actividades principais numa sã economia: conduzir e coordenar a administração dos bens da comunidade; elaborar anualmente o orçamento (o que é que queremos fazer para ano e onde vamos buscar o dinheiro necessário para esse objectivo); administrar os recursos existentes (o dinheiro recebido e produzido pelas actividades) de maneira equitativa segundo o estabelecido no orçamento anual; Prestar contas ao povo, à comunidade: a administração deve ser transparente, clara e acessível.

A contabilidade é muito importante: manter actualizada a contabilidade (ter um livro próprio e escrever todos os movimentos realizados). Deve-se ter arquivado os comprovantes de recebimento e de entrega da partilha/contribuição diocesana bem como os documentos que justifiquem todas as saídas realizadas na caixa

 

Como administrar de uma maneira competente a economia (os bens) das comunidades?

Que fazer para que todos se sintam responsáveis e participem na partilha/contribuição diocesana?

Como alcançar o coração dos mais endurecidos?

Como manter a comunidade unida também neste assunto da partilha/contribuição diocesana?

Além das ofertas dos cristãos, como desenvolver alguns projectos para melhorar a nossa economia?

Em caso de escândalos, desvios ou de outros problemas neste assunto da economia, o que fazer?

Para responder a todas e mais outras perguntas é o que intentamos fazer nesta reflexão.

II.- NA SAGRADA ESCRITURA

No Antigo Testamento todos participavam alegremente

A Bíblia não é um livro de estudos técnicos sobre o uso do dinheiro, mas ensina-nos os valores que nos devem orientar na administração dons bens. Eis os ensinamentos mais significativos que encontramos no Antigo Testamento

·        Os bens são um dom de Deus para todos os seus filhos;

·        Toda a pessoa tem direito ao necessário para viver com dignidade;

·        Acumular riquezas que não beneficiam toda a sociedade é um pecado social que brada aos céus;

·        A verdadeira fé em Deus leva ao desprendimento e à justiça em relação aos irmãos: socorrer os pobres, para que todos possam ter parte nos bens da terra.

Encontramos todo o povo a participar na organização do culto, na construção do templo e, depois do exílio, na sua reconstrução, bem como na contribuição do dízimo. O povo oferecia alegremente e com generosidade. Não eram só alguns os que contribuíam, mas todos: os chefes e os simples, homens e mulheres, todos os que tinham um coração generosos.

Ao mesmo tempo aparecem as injustiças, a acumulação de riquezas, como sinal de poder, de prepotência e, sobretudo, de escravidão dos pobres. Por isso que os Profetas levantaram a sua voz para condenar tais abusos e injustiças.

Podemos ler e reflectir os ensinamentos que encontramos nos seguintes textos:

Ex 35,20-29; Dt 12,6-7;14,22;1 Cron 29,1-9; Am 5,10-15; 8, 4-7).

Jesus ensina-nos a partilhar

 Jesus, com o gesto do milagre dos pães (Jo 6,1-15), propõe com este gesto a missão da comunidade: Ser sinal de amor generoso de Deus, assegurando para todos a possibilidade de subsistência e de dignidade. A segurança da subsistência não está no muito que poucos possuem e retém para si egoisticamente, mas no pouco de cada um. que é repartido entre todos.

A generosidade da viúva de Sarepta com o Profeta Elias no Antigo Testamento (1 Reis 17,10-16), e a oferta da viúva que deitou apenas umas pequenas moedas no tesouro do templo (Mc 12,41-44), indicam-nos claramente que as ofertas dependem do amor e da generosidade que a pessoa tiver no seu coração.

 Jesus também ensinou a atitude perante o uso da riqueza, da generosidade para com os pobres, o sentido e o uso dos bens materiais. As relações económicas que devem vigorar numa sociedade que acredita em Deus são as relações de doação total, e não as relações baseadas no supérfluo.

- O rico e o pobre (Lc 16, 19-31); o jovem rico: o Reino é dom e partilha (19,16-30; Lc18,18-30); as bem-aventuranças (Mt 5,1-12);  o samaritano (Lc 10,29-37); a oferta da viúva (Mc 12,41-44) e o juízo final (Mt 25,31-46) são os textos, entre outros, mais significativos dos ensinamentos de Jesus.

O exemplo e os ensinamentos do Apóstolo Paulo

O Apóstolo Paulo, evangelizador e fundador de comunidades, nas suas viagens apostólicas deixou-nos ensinamentos e exemplos sobre o tema que estamos tratando. Apesar do tempo passado, tais exemplos e ensinamentos são ainda hoje actuais e sevem-nos como orientação e guia na organização das nossas comunidades: na união e comunhão entre os cristãos, na colaboração de todos nas despesas da comunidade, no uso do dinheiro, na solidariedade e na partilha dos bens.

Perguntemo-nos: de que viviam as primeiras comunidades? O próprio S. Paulo e os outros Apóstolos, de que viviam? Como se comportavam e se ajudavam os primeiros cristãos? Que faziam com os que passavam alguma necessidade?

Ao lermos as Cartas e os Actos dos Apóstolos podemos encontrar as respostas mais adequadas a essas perguntas que tantas vezes nos fazemos. As respostas correspondem sempre a situações muito concretas deferentes, como é lógico, às nossas situações, mas são sempre respostas de comunhão, de amor concreto e de responsabilidade com tudo o que interessa à comunidade. Ninguém se desinteressa com os problemas da comunidade. Todos colaboram com espírito de família.

 Normalmente as comunidades se encarregavam pelo sustento dos apóstolos. O próprio S. Paulo afirmou, para ele e para Barnabé, o direito de viver da ajuda, isto é, da partilha de bens da comunidade:

“Se semeamos bens espirituais em vós, será muito colher bens materiais de vós? Se outros exercem sobre vós tal direito, porque não o poderíamos nós, e com maior razão?” Todavia, não usamos esse direito. Pelo contrário, tudo suportamos para não criar obstáculo ao Evangelho de Cristo. Não sabeis que aqueles que desempenham funções sagradas vivem dos rendimentos do templo? E que aqueles que servem ao altar têm parte no que é oferecido sobre o altar? Da mesma forma, o Senhor ordenou que aqueles que anunciam o Evangelho vivam do Evangelho” (1 Cor. 9, 11-14).

Apesar dessas afirmações, o Apóstolo Paulo comportava-se de modo diferente consoante as situações concretas em que se encontravam as comunidades. No seu comportamento, à vezes não usou nem impôs a norma anterior naquelas comunidades que não compreendiam tais ensinamentos. Nesses casos, sem o negar, não usou de tal direito, e preferiu ganhar-se a vida com o próprio trabalho:

“Com tudo, não tirei vantagem dos meus direitos. E agora não estou a escrever para reclamar coisa alguma. Antes morrer que…Não” (1 Cor. 9,15).

“Vós sabeis como deveis imitar-nos: nós não ficamos sem fazer nada quando estivemos entre vós, nem pedimos a ninguém o pão que comemos; pelo contrário, trabalhamos cm fadiga e esforço, noite e dia, para não sermos de peso para nenhum de vós” (2 Tes. 3, 7-8).

Como bem podemos compreender, Paulo não reivindica nenhum direito. Não considera o seu ministério coo profissão da qual poderia tirar proveito e prestígio, mas como missão, na qual o Senhor o empenhou pessoalmente. Ele tornou-se disponível e solidário para com todos.

S. Paulo ensina também que Deus ama a quem da com alegria e não constrangido:

Cada um dê conforme decidir o seu coração, sem pena ou constrangimento, porque Deus ama quem dá com alegria (2Cor 9,7). A questão económica também fazia parte do testemunho cristão A partilha e solidariedade em favor dos mais pobres era sinal de unidade entre as diversas comunidades, um autêntico vínculo de comunicação do dom extraordinário de Deus (v. 15) e de obediência ao Evangelho de Cristo (13).

Ao mesmo tempo ensina a solidariedade entre as comunidades:

“Quanto à colecta em favor dos irmãos, fazei o mesmo que ordenei às Igrejas de Galácia. No primeiro dia da semana, cada um coloque de lado aquilo que conseguiu economizar; deste modo, não precisareis de esperar que eu chegue para fazer a colecta” (1 Cor 16, 1-2). Ler também os capítulos 8 e 9 da 1ª Cata aos Coríntios que trata da generosidade e da boa vontade dos cristãos da Macedónio apesar da sua pobreza: “Quando existe boa vontade, somos bem aceites com os recursos que temos, pouco importa o que não temos” (2 Cor 8,12).

Quais são os ensinamentos que podemos tirar do comportamento do Apóstolo Paulo? Como nos podem orientar na vida das nossas comunidades actualmente?

·        S. Paulo apela-se à responsabilidade e solidariedade de todos para com a vida e as actividades da comunidade. Entre todos devemos carregar o peso de tudo o que for necessário fazer.

·        Os que trabalham exclusivamente (a tempo inteiro) à evangelização “vivem do Evangelho”, isto é, vivem da solidariedade dos membros da Igreja, da partilha dos bens das comunidades.

·        Ao mesmo tempo, sempre que for necessário por causa da situação concreta da própria comunidade ou por falta de compreensão e responsabilidade, os que exercem ministérios trabalhem com espírito de gratuidade e generosos e vivam do trabalho das próprias mãos.

·        Temos que contribuir com sentido de responsabilidade, com amor generoso e com alegria.

 O exemplo das primeiras comunidades cristãs

Os primeiros cristãos, fiéis aos ensinamentos dos Apóstolos, ponham tudo o que tinham em comum, serviam-se segundo as necessidades de cada um e da própria comunidade. A partilha de bens supera a exploração e a corrupção e o espírito de comunhão gera concórdia fraterna e partilha de bens. Meditemos o que os Actos dos Apóstolos nos transmitem a este respeito:

“Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam as suas propriedades e os seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente todos juntos frequentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo” (Act 2,44-47).

“ A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles” (Act 4,32).

“Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o dinheiro e colocavam-no aos pés dos Apóstolos; depois, era distribuído a cada um conforme a sua necessidade” (Act 4,34-35).

Podemos já dizer alguma coisa sobre a economia cristã das primeiras comunidades partindo da leitura dos textos referidos:

·        O fundamento: os cristãos viviam unidos na oração, na celebração, na partilha de mesma fé.

·        As consequências da união: Vendiam o que tinham e ponham em comum o que possuíam.

·        A partilha de bens: dividiam os bens e partilhavam-nos entre todos de acordo com as necessidades de cada um e da comunidade.  

Efectivamente, na Igreja primitiva encontramos o espírito de partilha de bens espirituais, em primeiro lugar, e como consequência a partilha de bens materiais como maneira prática e muito concreta de socorrer as necessidades das comunidades e dos seus membros.

Tudo isto ensina-nos que a economia vivida pelas primeiras comunidades é a resposta organizada às necessidades de cada pessoa com o respeito e a justiça devidos à sua dignidade. Os bens são partilhados conforme as necessidades reais da comunidade e não segundo a esperteza de cada um.

Jesus, na multiplicação dos pães (Lc 9, 10-17), indica-nos o caminho que devem seguir os seus discípulos: o caminho da solidariedade e da partilha.

Sobre este tema da solidariedade o Papa S. João Paulo II escreveu o seguinte:

A prática da solidariedade no interior de cada sociedade é válida, quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que contam mais, dispondo de uma parte maior de bens e de serviços comuns, hão-de sentir-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por seu lado, os mais fracos, na mesma linha de solidariedade, não devem adoptar uma atitude meramente passiva ou destrutiva do tecido social; mas, embora defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que lhes compete para o bem de todos. Os grupos intermédios, por sua vez, não deveriam insistir egoisticamente nos seus próprios interesses, mas respeitar os interesses dos outros” (Encíclica A Solicitude Social , 39).

III.- A SUSTENTABILIDADE NA TRADIÇÃO IGREJA

A Igreja, fiel ao exemplo e aos ensinamentos apostólicos e das primeiras comunidades manteve nas suas leis a dever de cada cristão em contribuir para as despesas necessárias para a vida da Igreja, para as suas actividades e para a ajuda aos mais necessitados.

Na catequese aprendemos que o cristão tem o dever de contribuir para as necessidades da Igreja. Eis o que nos diz o 5º Preceito da Igreja: “Contribuir para as necessidades materiais da Igreja segundo as possibilidades”.

Tal ensinamento encontramo-lo nas Leis da Igreja (Código de Direito Canónico 222: “Os fiéis têm a obrigação de prover às necessidades da Igreja, de forma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade e para a honesta sustentação dos seus ministros. Têm ainda a obrigação de promover a justiça social e, lembrados do precito do Senhor, de auxiliar os pobres com os seus próprios recursos”.

Com tais ensinamentos a Igreja assinala e recorda-nos dois deveres especialmente importantes para os cristãos de sempre e de hoje que recebem uma maior força e urgência pelo mandato novo de Jesus (Jo 13,34) e pelo exemplo dos primeiros cristãos.

Se formos fiéis cumpridores desses preceitos e ensinamentos, as comunidades poderão dispor do necessário para construir as suas capelas, realizar os seus encontros de formação, celebrar a liturgia, ter os livros necessários para a catequese e para as celebrações, ajudar pobres, colaborar nas despesas gerais da Diocese e das Paróquias, na formação dos futuros Padres e até organizar as suas festas.

Muitos anos atrás, em 1891, o Papa Leão XIII escreveu o seguinte: “É, portanto, urgente que as Igrejas particulares de África se proponham o objectivo de chagar quanto antes a prover às suas necessidades assegurando desse modo a sua auto-suficiência” (Papa Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum, nº 43).

Os Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, também deram orientações sobre este assunto afirmando que A comunidade cristã deve, desde o seu nascimento, constituir-se de tal maneira que possa providenciar por si mesma às suas necessidades” (Decreto Ad Gentes, nº 15).

Desde há muitos anos os Bispos de Moçambique têm vindo a propor aos cristãos a autonomia económica, pois a Igreja em Moçambique não pode continuar a “ser criança” e a depender absoluta e permanentemente da ajuda dos cristãos de outros países. Mesmo que sejamos pobres, temos que caminhar com as nossas próprias forças, dando pequenos passos que serão sempre nossos passos rumo ao crescimento e à consolidação da nossa Igreja, uma Igreja adulta. Chegou o momento de assumirmos com as duas mãos esta responsabilidade. Da nossa pobreza sempre podemos partilhar algumas coisas.

Nessa mesma linha de pensamento, encontramos os ensinamentos do Papa São João Paulo II: Os Padres Sinodais puseram em relevo a exigência de que cada comunidade cristã seja posta em condições de prover por si só, na medida do possível, às suas necessidades. Além de pessoal qualificado, a evangelização requer também meios materiais e financeiros notáveis, e as dioceses, não raro, estão bem longe de poder dispor deles em medida suficiente. É, portanto, urgente que as Igrejas particulares de África se proponham o objectivo de chegar quanto antes a prover elas mesmas às suas necessidades, assegurando desse modo a sua auto-suficiência. Por conseguinte, convido encarecidamente as Conferências Episcopais, as dioceses e todas as comunidades cristãs das Igrejas do Continente, a empenharem-se, no que for da sua competência, para que esta auto-suficiência se torne cada vez mais uma realidade. (JOÃO PAULO II, Exortação Pós-Sinodal Igreja em África nº 104).

IV.- O QUE ACONTECEU E O É QUE ACONTECE ENTRE NÓS?

Na nossa reflexão, chegou o momento de interrogarmo-nos: o que é que acontece entre nós que não conseguimos avançar? Continuamos a negar a nossa partilha e a nossas responsabilidades para com as necessidades da Igreja. Dizemos que somos pobres e que não temos dinheiro e mais outras desculpas. Muitos até dizem que a partilha/contribuição diocesana é um imposto e que a Igreja não pode obrigar a pagar impostos. Às vezes assistimos a escândalos dentro da própria comunidade e entre os responsáveis (falta de informação, desvios, enganos…), o que desperta desconfiança e pouca credibilidade entre os cristãos. O que é que acontece para não aceitar os nossos compromissos para com as despesas da igreja?

Os primeiros missionários não encontraram comunidades cristãs organizadas como as que temos agora nem grande nem pequeno número de cristãos, pelo que eles não falaram nem pouco nem muito deste assunto da sustentabilidade económica nem no apoio dos primeiros baptizados para com as necessidades das antigas missões. Eles viviam, trabalhavam, construíram, conseguiam os meios de transporte e o necessário para a sua vida com trabalho e com a ajuda dos cristãos dos seus países de origem.

O caminho seguido nessa primeira fase da evangelização se, por uma parte fi necessário e deu os seus frutos; por outro lado deu origem a um forte paternalismo e dependência absoluta que ainda hoje é muito forte. É um obstáculo que não nos deixa caminhar e é muito difícil de superar. Para qualquer actividade seja a que for (livros, construções de capelas, cursos de formação, manutenção dos seminários, sustentabilidade dos Padres e das Paróquias, meios de transporte) muitos pensam que isso não é com eles directamente, são coisas do Bispo ou de outros responsáveis de fora. Desta maneira continuamos a ser “igreja criança” que não sabe caminhar com as próprias forças.

Estos sempre a lembrar os tempos passados dos primeiros missionários e custa-nos aceitar que os tempos mudaram: nós já crescemos; a igreja somos nós; toca a nós assegurar as despesas da igreja; colaborar com as despesas da Igreja e entregar a nossa “partilha”/contribuição diocesana não é um imposto; é um assunto que nos pertence a cada cristão e a cada catecúmeno; é um assunto da nossa família de baptizados; todos devemos assumir esta responsabilidade e este amor concreto com sentido de pertença a esta família. É necessário dar este passo avante para crescer e consolidar a nossa Igreja e assim poder anunciar e testemunhar o Evangelho de Jesus. Temos que acompanhar este tempo novo seguindo o caminho traçado pelas “Orientações Diocesanas”.

Se continuarmos a olhar para o passado e ter saudades da dependência das ajudas vindas de fora, as nossas comunidade e a nossa própria diocese nunca hão de ter os meios necessários para a sua existência e para as suas actividades; não poderemos evangelizar adequadamente, pois sempre estaremos à espera de alguém de fora que nos garanta as nossas actividades. Se continuarmos assim nunca teremos os Padres nem as Irmãs que precisamos, nunca teremos os livros e as capelas necessárias; nunca realizaremos os cursos de formação que tanta falta nos faz; nunca teremos as mínimas condições para a consolidação da nossa Igreja e para a evangelização. Seremos, isso sim, como um adulto que cresceu mas continua a comportar-se como criança.

V.- A SUSTENTABILIDADE NA IGREJA EM MOÇAMBIQUE

Os passos que nós, na Diocese de Gurúè, queremos dar em vista da autonomia económica, são os mesmos passos que querem dar as outras Dioceses de Moçambique. Algumas já avançaram bastante; outras, porém, estão a demorar. E nós? Alguns passos já foram dados por muitos cristãos. Mas ainda há outros que não aceitam ou se aceitam não assumem na prática esta responsabilidade. Precisamos de continuar a mudar de mentalidade e todos conscientizarmo-nos, esclarecendo bem os motivos que nos levam a sermos responsáveis pela manutenção da nossa Igreja. Precisamos de acelerar o ritmo desta caminhada.

Eis os passos dados a nível nacional:

II Assembleia Nacional de Pastoral

A II Assembleia Nacional de Pastoral (Matola 1991), reflectindo sobre a sustentabilidade da Igreja local, indicou este assunto como um dever de todos os cristãos e como um dos aspectos fundamentais para a consolidação da Igreja em Moçambique. Aquela Assembleia apontou os caminhos que se deviam seguir. Vejamos resumidamente alguns pontos mais importantes:

Nº 36: A Igreja precisa de recursos económicos e meios financeiros para o desenvolvimento das suas actividades, conservação e manutenção do seu pessoal e instituições, bem como para as obras e actos de beneficência.

NNº 37-38: Causas da situação de pobreza.

Nº 39: A igreja encontra-se dependente economicamente do estrangeiro, o que condiciona o seu crescimento e a sua consolidação, a sua opção e realização e a sua opção pastoral.

Nº 40: Causas de dependência económica: o paternalismo e a mentalidade assistencialista.

Nº 41: Caminhos apontados, entre outros: a formação da consciência do povo; a responsabilidade pela sua autonomia a todos os níveis; a criação dos Conselhos Económicos; a formação dos responsáveis; a programação, a informação e a transparência na gestão dos bens da igreja; o dever de todos se conscientizar e assumirem as suas responsabilidades; o restabelecimento e actualização das contribuições; e o estabelecimento de um modelo comum para todo Moçambique.

III Assembleia Nacional de Pastoral

Na III Assembleia Nacional de Pastoral (Matola 2005), tratou-se novamente da sustentabilidade e autonomia económica:

Nº 117: Não devemos esperar até sermos ricos ara sé depois começarmos a contribuir em benefício da nossa igreja ou dos necessitados; seria tarde para aprendermos. Andar aprende-se enquanto se é pequenino, como nos ensinam as viúvas da Sagrada Escritura (1 Rs 17,10-16 e Mc 12,41-44).

Nº 122: Os exemplos das viúvas aqui citadas devem-nos animar a encontrar maneiras para sairmos da ideia de que fomos feitos para estarmos de mão estendida e que os outros é que devem nos ajudar. Na pobreza a disponibilidade, a generosidade, a confiança e o espírito de entrega são necessários para que possamos fazer coisas aos olhos de Deus e ajudarmos os outros. A superação da pobreza material não é tudo. É necessário que isto aconteça, sim, mas tendo sempre presente a elevação do homem à categoria de Filho de Deus. 

Em ordem a todos compreenderem bem a assumirem responsavelmente as suas obrigações como membros da igreja neste assunto da sustentabilidade da comunidade e em pôr em prática o que for necessário e se estabelece na Diocese, é bom que as Paróquias desenvolvam encontros de formação com os animadores dos ministérios e com todos os cristãos. Tais encontros devem ter em conta os ensinamentos contidos nas Assembleias Nacionais de Pastoral que aqui resumimos para facilitar a sua compreensão.

 VI.- A ECONOMIA NA DIOCESE DE GURÚÈ: COM FAZÉ-LA CRESCER

II Assembleia Diocesana de Pastoral

De 4 a 6 de Julho de 2002, em Milevane, realizou-se a II Assembleia Diocesana de Pastoral, presidida por D. Manuel Chuanguira Machado, primeiro Bispo de Gurúè, sob o tema “A Economia Diocesana: Como fazê-la crescer”.

Os participantes estudaram o tema proposto e chegaram a certas conclusões em ordem a procurar caminhos concretos e práticos muito significativos na solução do problema económico da nossa Igreja.

Na homilia de abertura dos trabalhos da Assembleia, D. Manuel Chuanguira pronunciou-se nos seguintes termos:

A contribuição em dinheiro ou noutros bens materiais, o sacrifício que nos é pedido para fazer crescer a economia da nossa igreja, não e uma realidade nova na igreja; nem uma invenção do Bispo e dos seus Padres, como muitos cristãos pensam; mas uma exigência da fé. É um imperativo que assumimos com o nosso Baptismo. Sabemos que muitas pessoas não colaboram nos trabalhos das comunidades nem contribuem para a Caixa da Diocese porque dizem que são pobres. Mas não há ninguém que seja tão pobre e que não tenha nada a dar. Irmãos, devemo-nos unir no trabalho para fazermos crescer a nossa economia.

Eis as conclusões a que chegaram na referida Assembleia:

·        As comunidades tenham machambas comunitárias, para enfrentarem as despesas da comunidade;

·        Haja uma só Caixa para a qual todos devem contribuir;

·        Se estabeleça uma ordem de prioridades nas despesas: - guardar e administrar o dinheiro; - usar o dinheiro para as festas com critérios; - o apoio aos padres e à diocese pode ser com produtos ou dinheiro; - a contribuição anual diocesana não é um imposto, mas colaboração nas despesas necessárias da Diocese; subsídio mensal para os padres que estão fora do Serviço Nacional de Educação; apoio às despesas dos Seminários; - funcionamento do Secretariado Diocesano de Pastoral;  - apoio às despesas gerais da diocese (transporte, arranjo de carros, casa diocesana); - contribuições anuais para a CEM (Conferência Episcopal de Moçambique), IMBISA (Conferências Episcopais da África Austral) e SECAM (Conferências Episcopais de África e Madagascar); ofertórios obrigatórios das Obras Pontifícias, da Caritas e da CEM.

VI Assembleia Diocesana de Pastoral

A VI Assembleia Diocesana de Pastoral, realizada na Casa Diocesana de Gurúè, de 11 a 14 de Março de 2011, retomou o tema da sustentabilidade económica das comunidades, Paróquias e Diocese. Nas conclusões da Assembleia, actualizaram-se as orientações em vigor e escolheu-se o tema da sustentabilidade como o tema permanente (transversal) para os três anos do Plano de Pastoral (2012 – 2014). Deram-se as orientações que foram recolhidas na nova edição das ORIENTAÇÕES DIOCESANAS. Em ordem a esclarecer e ajudar a sua aplicação, na altura da Páscoa de 2012 escrevi uma Carta Pastoral sob o título PARTILHA DE BENS.

Hoje, com esta minha 5ª Carta Pastoral, no último ano do Plano Pastoral 2012-2014, quero actualizar e convidar todos os cristãos e catecúmenos a estudar o que foi escrito e decidido na Bíblia na Tradição da Igreja, nos Documentos da Igreja em Moçambique e da nossa Diocese anteriormente apresentados.

Administrar não é apenas contabilizar as entradas e as despesas do que os cristãos entregam nos ofertórios dominicais, na “partilha”/contribuição diocesana e na gratificação com motivo dos sacramentos. Administrar significa também gerir com transparência os bens recolhidos, criar novas fontes de receitas, prestar contas e informar claramente a comunidade sobre as despesas efectuadas (o que foi feito com o dinheiro da comunidade, o que se comprou, o que foi entregue a Diocese, a entrega dos ofertórios prescritos, a ajuda aos pobres), tudo isto apresentado os documentos justificativos das entradas e das saídas (facturas e recibos) e escrevendo tudo no livro de contabilidade, indicando onde se encontra o dinheiro (Caixa da comunidade ou da Paróquia, e no Banco).

CONCLUSÃO

A “partilha” ou contribuição diocesana significa reconhecer e agradecer os bens que Deus nos concede e também pelo fruto do nosso trabalho; significa, ao mesmo tempo, solidariedade e responsabilidade, amor e para com a nossa família de baptizados; significa ajudar-nos generosamente em todas as necessidades, especialmente para com os mais pobres. Trata-se de uma forma de agradecimento e de partilha dos dons de Deus. Peçamos ao Senhor que a contribuição diocesana seja uma expressão do amor que sentimos uns pelos outros e que o vivamos com alegria como nos deram exemplo os primeiros cristãos.

Deus, Pai Bom e misericordioso, de quem procede todo o bem, material e espiritual e que tudo orienta, seja para cada um de nós luz e guia na partilha do que Ele nos concede como dom gratuito e como fruto das nossas mãos. Peçamos para que ninguém se sinta marginalizado nas suas necessidades mais urgentes e que todos saibamos cultivar o espírito de partilha e de solidariedade seguindo o exemplo dos nossos antepassados na fé. Todos podemos fazer alguma coisa pelo bem da comunidade.

Nos últimos anos, a Igreja em Moçambique caracterizou-se com uma face muito própria, ainda muito valida no tempo actual: uma Igreja base, de comunhão, de família, de ministérios e serviços recíprocos gratuitamente oferecidos (I ANP, Beira 1977, NN. 1 e 7). Todos podemos fazer alguma coisa para com a comunidade.

A contribuição diocesana nasce do agradecimento a Deus e do sentido de pertença à Igreja. A contribuição diocesana só faz sentido quando é espontânea, livre, consciente, alegre e responsável: Quando ofereceres alguma coisa, apresenta um rosto alegre e consagra o dízimo com boa vontade (Ecc 35,8).

Casa Diocesana, Gurúè 03 de Junho de 2014, Festa de S. Carlos Lwanga e Companheiros mártires

Vosso Bispo

Francisco