Para reflectir: "A Missão como inserção"

INSERÇAO MISSIONÁRIA
Etapas e conteúdos



A Missão como inserção cultural e social

Resumo

Há uma relação importante entre cultura e missão. A inserção do missionário/a num determinado país e, particularmente, na sua cultura, é de suma importância para a evangelização: ele/ela deve inserir-se no mundo sócio-cultural dos destinatários da acção missionária, superando os condicionamentos do próprio ambiente de origem. Há atitudes imprescindíveis que ele/ela deve assumir. O processo é lento, mas muito necessário.


1. Cultura e missão

A Igreja nasce para a missão, é missionária desde a sua origem. É por natureza universal, pois Cristo enviou-a a todos os povos e em todos os povos deve dar testemunho dele: “Ide, e fazei meus discípulos a todas as gentes” (Mt 28,18).”Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até aos confins da terra” (Act 1,8). Por isso, a dimensão universal é um elemento constitutivo da missão (Redemptoris Missio 23). Dai se deduz claramente o lugar preponderante que a cultura teve na vida e missão da Igreja. Os processos culturais estão intimamente unidos ao anúncio do Evangelho e a toda a acção pastoral da Igreja.

Falar de diversidades culturais, multiculturalidade, interculturalidade, inculturaçao (termos do nosso tempo), é simplesmente entrar numa problemática familiar da missão sem fronteiras (“ad gentes”). O Novo Testamento testemunha o pluralismo em que viviam as primeiras comunidades, devido às diversas condições culturais e históricas de cada um dos povos onde elas surgiam. É, de facto, fácil compreender o interesse da Igreja  nascente e até aos nossos dias por esta problemática.

2. Diversas atitudes históricas

Na história da Igreja houve épocas em que a comunidade eclesial foi mais receptiva à valorização das culturas, seguindo a linha evangélica e apostólica da encarnação. Noutras ocasiões, contrariamente, devido à influência dos poderes temporais ou às ideologias dominantes e às interpretações erradas da sua mensagem, a Igreja ignorou as diversidades culturais ou até negou, querendo impor uma única cultura a todos os que se convertiam. Trata-se, neste caso, da linha etnocentrista, que consiste em considerar a própria cultura como superior às demais culturas: dai se derivam as consequências altamente negativas que todos conhecemos. E houve épocas em que prevaleceu a línea da adaptação exterior que, sem condenar as culturas que encontrava, assumia alguns dos seus elementos superficiais. Trata-se de uma atitude menos negativa que a precedente, uma linha intermédia entra a encarnação e o etnocentrismo. 


3. O processo de inserção

Deixando de parte por agora, o processo de inculturação da fé, concentramos a nossa atenção no processo de inserção numa determinada cultura, que todo missionário deve fazer. Trata-se de um processo inicial e imediato que o evangelizador começa logo que chega ao país ou contexto humano a que é enviado. Trata-se do encontro do missionário em quanto indivíduo portador da própria cultura com os destinatários da missão, portadores, por sua vez, de uma cultura diferente. Este encontro é decisivo para o futuro da acção missionária. O missionário tem à sua frente uma cultura diversa à sua e desconhecida, perante a qual podem surgir atitudes ambivalentes de abertura e acolhimento, ou confrontos com consequências negativas da imposição dos próprios critérios e visões culturais, e negação da diversidade cultural e dos valores alheios.

No século XVI, a Instrução de Propaganda Fide pede aos missionários que não transportem para as missões do Oriente a Europa mas sim a fé de Cristo: “Não há coisa mais absurda do que transportar à China o que é próprio da França, da Espanha, Itália ou de qualquer outra parte da Europa. Não leveis estas coisas, mas a fé, que não é morta ou prejudicada os ritos ou costumes de nenhum povo, salvo o que se trate de costumes insensatos”.

4. Importância e necessidade

O momento da inserção é muito importante, pois, em geral, a maioria dos agentes de pastoral originários de outras áreas culturais não conhecem de maneira suficiente e em profundidade a realidade onde vai desempenhar a sua actividade pastoral. Os missionários originários de outras áreas, pouca sabem do país, da cultura do povo, dos seus valores mais profundos e das suas expressões; não falam a língua materna do povo e desconhecem a sua história, os factores psicológicos e sociológicos que o condicionam, isto é, uma realidade complexa difícil de analisar, compreender e assumir. É preciso ter em conta que o conhecimento do povo e da sua realidade é necessário para se comprometer com ele, partilhar a sua vida e anunciar-lhe a Boa Nova de Jesus. Por isso é preciso que o enviado faça com seriedade e bases científicas o seu processo de inserção na nova realidade cultura em ordem à eficácia da acção missionária.

Sobre a necessária inserção no novo ambiente, o Concílio Vaticano II afirma que: “O missionário se adaptará aos costumes e às diversas condições dos povos” (Ad Gentes 25). O mesmo Concílio concretiza mais detalhadamente, dizendo: “Os missionários conheçam mais profundamente a história, as estruturas sociais e costumes dos povos, informem-se bem da ordem moral, dos preceitos religiosos e das ideias profundas sobre o homem e sobre Deus, segundo as suas sagradas tradições” (Ad Gentes 25).

5. Coordenadas do processo

O Papa João Paulo II, ao escrever sobre este processo, afirma: “Os missionários que provem de outras igrejas y países hão-de se inserirem no mundo sócio-cultural do povo ao qual são enviados” (Redemptoris Missio 53). O Papa indica as coordenadas do processo, mostrando, antes de mais nada, a parte negativa do mesmo, isto é, o despojamento que o missionário deve fazer a exemplo do seu Mestre: a necessidade de superar os condicionamentos da própria cultura de origem. A seguir, João Paulo II especifica os aspectos mais importantes deste caminho: “Os missionários devem apreender a língua da região onde trabalham, conhecer as expressões mais significativas daquela cultura, descobrindo os valores ai presentes através da experiência directa” (Redemptoris Missio, idem).

Resumindo, estas são as palavras-chaves da inserção missionária: compreender, apreciar, promover, evangelizar. Só com um processo de inserção compreendido e realizado desta maneira, poder-se-á proclamar a Boa Nova. Desta maneira foi compreendido por Paulo, ao fazer-se judeu com os judeus, grego com os gregos, romano com os romanos, sem deixar de ser ele próprio judeu. Paulo interpretou correctamente o exemplo de Mestre, que para nos salvar se encarnou, fez-se um de nós:  O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,4). É o caminho da inserção de ontem, de hoje e de sempre: a encarnação.

Por isso, este processo bem compreendido não obriga ao missionário a renegar da própria cultura, mas sim a apreciar devidamente as culturas dos povos aos que é enviado, promovendo-as, enriquecendo-as dinamicamente com o Evangelho.

6. Contextos multiculturais

a). Sociedade multicultural

A inserção missionária dá-se num contexto multicultural, isto é, numa sociedade formada geralmente dos diversos grupos étnicos e culturais. É necessário ter uma atitude ou consciência que vai além da coabitar com a diversidade cultural e caminhar rumo à interculturalidade. Isto significa caminhar rumo ao acolhimento dos valores presentes nas diversas culturas com as que entramos em contacto, relativizando criticamente e ao mesmo tempo tais culturas e a própria cultura. Em ordem a se conseguir tal objectivo é necessário uma educação adequada ao processo. Trata-se de um movimento de reciprocidade, que supera o predomínio de uma cultura sobre a outra, ou a imposição dos próprios critérios culturais. Dá-se interculturalidade quando se vai ao encontro do outro, reconhece-se e respeita-se a sua diversidade e se abre ao acolhimento dos seus valores.

b). Complexidade da situação

Na nossa sociedade, o processo torna-se cada vez mais necessário e urgente perante a complexidade dos fenómenos culturais e sociais. “Hoje há-de se enfrentar com coragem uma situação que cada vez é mais variada e comprometida, no contexto da globalização e das novas mudanças que vivem os povos e as culturas que os caracterizam (Novo Millennio Ineunte 40).

O processo implica ao mesmo tempo uma certa atitude afectiva, isto é, sentir como o outro sente. É preciso comunicar-se realmente entre as pessoas, assumindo estilos de vida que sejam ao mesmo tempo respeito e aceitação cultural, solidariedade humana e testemunho evangélico: “A evangelização perde força e eficácia se não tiver em conta o povo concreto a quem se dirige, se não se fala a sua língua, se não se usam os seus símbolos e sinais, se não se responde aos seus problemas, se não interessa a sua vida real” (Evangelii Nuntiandi 63).


Para a reflexão e a partilha

  1. Analisa as diversas atitudes que se podem assumir ante uma cultura diferente à própria.

  1. Sem abandonarmos a própria cultura: Como nos devemos comportar de um modo positivo perante uma cultura diferente à nossa?

  1. A diversidade cultural é já uma realidade no nosso próprio ambiente: O que é que se faz pessoalmente, na tua congregação, na tua paróquia, na tua diocese?

  1. Analisa o conceito de cultura na Constituição pastoral Gaudium et Spes, 53.