sábado, 6 de maio de 2017

SUBSÍDIO PARA A ORAÇÃO E A HOMILIA DO IV DOMINGO DA PÁSCOA




4º Domingo da Páscoa. Ano A.

Domingo do Bom Pastor, Dia Mundial de Oração pelas Vocações… A introdução à celebração deve ter em conta essa intenção. Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe hoje à nossa reflexão.

A primeira leitura (Actos 2,14a.36-41) traça o percurso que Cristo, “o Pastor”, desafia os homens a percorrer: é preciso converter-se, ser baptizado, e receber o Espírito Santo (acolher no coração a vida de Deus e deixar-se recriar, vivificar e transformar por ela).

• Esta leitura  apresenta-nos a lógica de  Deus que não se conforma com o facto de as pessoas rejeitarem a sua oferta de salvação e que insiste em desafiá-los, em acordá-los, em questioná-los, até que eles percebam onde está a verdadeira vida e a verdadeira felicidade. Este Deus é, verdadeiramente, o Pastor que nos conduz para as nascentes de água viva.

• Perante as palavras de Pedro, os membros da comunidade judaica perguntam: “que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de quem toma consciência dos caminhos errados, percebe o sem sentido de certos comportamentos e valores, aceita questionar as suas certezas e seguranças, para aceitar os desafios de Deus. 

Trata-se de uma atitude corajosa: é mais fácil continuar comodamente instalado na sua auto-suficiência, do que “dar o braço a torcer” e reconhecer, com humildade, a necessidade de eliminar os preconceitos,  de admitir as falhas, os limites, as incoerências.

 Aceito questionar-me, estou disposto a admitir os meus limites, procuro humildemente o caminho certo, ou sou daqueles que nunca me engano e raramente tenho dúvidas?

• “Convertei-vos” – pede Pedro aos seus ouvintes. Converter-se é deixar os velhos esquemas de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de auto-suficiência que tantas vezes constituem a nossa a vida, para ir atrás de Jesus e aprender com Ele a amar, a servir, a dar a vida. 

Estou disponível para encarar a minha  conversão? O que é que, na minha vida, mais necessita de ser transformado, em termos de ideias, valores, comportamentos?

A segunda leitura  (1 Pedro 2,20b-25), apresenta-nos também Cristo como “o Pastor” que guarda e conduz as suas ovelhas. Este texto insiste, sobretudo, em que os crentes devem seguir esse “Pastor”. Seguir “o Pastor” é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem.
• Como devemos lidar com a injustiça e com a violência? Haverá uma violência justa e aceitável? Os fins justificam os meios? É a este tipo de questões que a nossa leitura responde. O autor não está interessado em grandes argumentações: propõe apenas o exemplo de Cristo, que passou pelo mundo fazendo o bem e foi preso, torturado, assassinado sem resistir, sem Se revoltar, sem responder “na mesma moeda” aos seus assassinos. É uma lógica incompreensível aos olhos do mundo… Mas é a lógica de Deus; e Jesus demonstrou que só este caminho conduz à ressurreição, à vida nova, O cristão é chamado a ser testemunha desta novidade: só o amor gera vida nova e transforma o mundo.

• Esta leitura apresenta Cristo como “o Pastor” que guarda e conduz as suas ovelhas. Seguir o Pastor é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem.

 Cristo é, de facto, o meu “Pastor”, o modelo de vida que eu tenho sempre diante dos olhos? Quem é que eu ouço, quem é que eu sigo, quem é o meu modelo?

O Evangelho  (Jo 10,1-10), apresenta Cristo como “o Pastor”, cuja missão é libertar o rebanho de Deus do domínio da escravidão e levá-lo ao encontro das pastagens verdejantes onde há vida em plenitude (ao contrário dos falsos pastores, cujo objectivo é só aproveitar-se do rebanho em benefício próprio). Jesus vai cumprir com amor essa missão, no respeito absoluto pela identidade, individualidade e liberdade das ovelhas.

O Evangelho convida-nos a reflectir sobre o serviço da autoridade… Propõe como modelo o “Bom Pastor”, uma figura que oferece a vida, que serve, que respeita a liberdade das pessoas, que se dedica totalmente.

• Para os cristãos, “o Pastor” por excelência é Cristo: Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o “rebanho” de Deus das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da morte para a vida.

 O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que à volta das quais construímos a nossa existência? 

O que é que e quem nos conduz ? Cristo? A voz da opinião pública? A voz dos  partidos e dos grupos? A voz do comodismo e da instalação? A voz do egoísmo e dos  privilégios? A voz do êxito e do triunfo a qualquer custo? A voz das telenovelas? A voz dos programas  televisião?

• Atentos na forma como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”: Ele conhece as “ovelhas” e chama-as pelo nome, mantendo com cada uma delas uma relação pessoal. Dirige-lhes um convite a deixarem a escuridão, mas não força ninguém a segui-l’O: respeita absolutamente a liberdade de cada pessoa. É dessa forma que nos relacionamos com os outros? Aqueles que receberam de Deus a missão na família, de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no respeito absoluto pela pessoa, pela sua dignidade?

• As “ovelhas” do rebanho de Jesus têm de “escutar a voz” do “Pastor” e segui-l’O… Isso significa, concretamente, tornar-se discípulo, aderir a Jesus, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projectos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Cristo) no caminho exigente do dom da vida?

• Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único “Pastor”, Aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros “pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua actuação nunca pode ser diferente do jeito de actuar de Cristo.

• Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras,” que não conduzem à vida plena, é preciso a oração diária, um permanente diálogo íntimo com Deus na oração, um confronto permanente com a sua Palavra e a participação activa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece.

Fonte: adaptação local de um texto de: <dehonianos.org/liturgia dominical>

segunda-feira, 1 de maio de 2017

PROGRAMAÇÃO DIOCESANA DO MÊS DE MAIO



PROGRAMAÇÃO DIOCESANA DO MÊS DE MAIO DE 2017

01.05.17: DIA - S. JOSÉ OPERÁRIO. Dia Mundial dos Trabalhadores.
Dia diocesano dos consagrados.  A Conferência dos Institutos Religiosos de Moçambique (CIRMO)  da Diocese de Gurúè, celebra esta data com um encontro diocesano de reflexão e convívio, na Casa Diocesana.

07.05.17. IV Domingo da Páscoa. Domingo do Bom Pastor.
 Dia de Oração pelas Vocações. Encontro dos Vocacionados.

13-14.054.17 - CENTENÁRIO DA APARIÇÕES DE FÁTIMA: Peregrinações Diocesanas aos Santuários de N. S. de Fátima de Muliquela (Região Pastoral Centro) e de  Mualama (Região Pastoral Sul).

19-22.05.17 - Visita Pastoral à Paróquia São Bernardo, na cidade de Gurúè, zonas urbana e suburbana.

22 .05.17- 23º Aniversário da Ordenação Episcopal de Dom Manuel, Bispo Emérito de Gurúè.

26 -29.05.17- Visita Pastoral à Paróquia Santo António, Sé Catedral.

28.05.17-Ascensão do Senhor.
 Dia Mundial dos Médios de Comunicação Social.

30.05.17- 7º Aniversário da Ordenação Episcopal de Dom Francisco Lerma, Bispo de Gurúè..

31.05.17 - Encerramento do Mês de Mariano:
 Peregrinação à Gruta da “Santinha”, nos montes de Gurúè.

domingo, 30 de abril de 2017

“À TUA DESCENDÊNCIA DAREI ESTA TERRA” (Gn 12,7) CARTA PASTORAL DOS BISPOS CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE ÀS COMUNIDADES E FAMÍLIAS CRISTÃS E ÀS PESSOAS DE BOA VONTADE Beira, 30 de Abril de 2017 16 ----------------------- Page 2----------------------- “À TUA DESCENDÊNCIA DAREI ESTA TERRA” D. Cláudio Dalla Zuanna, Arcebispo da Beira e Vogal da CEM (Gn 12,7) D. Francisco Lerma MarƟ nez, Bispo de Gurué e Vogal da CEM CARTA PASTORAL DOS BISPOS CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE D. Inácio Saure, Arcebispo de Nampula ÀS COMUNIDADES E FAMÍLIAS CRISTÃS E ÀS PESSOAS DE BOA VONTADE D. Germano Grachane, Bispo de Nacala Caríssimos irmãos e irmãs: D. Adriano Langa, Bispo de Inhambane I. INTRODUÇÃO D. Luiz Fernando Lisboa, Bispo de Pemba 1. Nós, Bispos Católicos de Moçambique, neste tempo especial de Páscoa, de- D. Atanásio Amisse Canira, Bispo de Lichinga sejamos fazer chegar a nossa saudação a todas as comunidades e famílias cris- D. Ernesto Maguengue, Bispo Auxiliar de Nampula tãs e a todas as pessoas de boa vontade. A paz esteja convosco! D. Alberto Vera Aréjula, Bispo Auxiliar de Xai-Xai 2. A terra em Moçambique está em agonia profunda! Chega até nós, cada dia, a preocupação e o desencanto de tantas comunidades cristãs e não cristãs que Padre Giancarlo Sandro Faedi, Administrador Apostólico de Tete enfrentam confl itos de terra pondo em perigo a própria segurança alimentar e a estabilidade familiar e social. 3. Por outro lado, passados dois anos da publicação da Encíclica Laudato Si (=Louvado sejas) do Papa Francisco, sobre o cuidado da casa comum, quere- mos com esta carta pastoral concreƟ zar alguns aspectos dessa mensagem no contexto do nosso País. Convidamos, por isso, de modo parƟ cular os cristãos católicos, a lerem e a refl ecƟ rem a referida Carta Encíclica individualmente ou em grupo. 4. A Encíclica Laudato Si faz parte da Doutrina Social da Igreja que, fundamen- tada na Sagrada Escritura, desde os primórdios da Igreja busca iluminar a reali- dade, os problemas e confl itos que surgem na convivência humana com vista a respeitar a dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Dela podemos Ɵ rar um grande proveito para a interpretação da actualidade moçambicana e para manifestarmos, na práƟ ca, o que signifi ca o cuidado pela casa comum. 5. Esta releitura conduzir-nos-á a rever algumas das nossas aƟ tudes para com os outros, para com a terra e, acima de tudo, para com Deus, Nosso Senhor. Por isso queremos apelar aos diferentes actores da nossa vida social, políƟ ca, económica e religiosa a fi m de que procuremos juntos, o melhor para o País e para os que nele habitamos. 6. Como anunciadores do Evangelho, deixamos desde já uma mensagem de 2 15 ----------------------- Page 3----------------------- presarial é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o esperança alicerçada na realidade, na fé e no ideal de fraternidade. Como pas- mundo; rogamos que coloquem no centro da vossa acƟ vidade o bem comum tores da Igreja Católica, somos voz de muitos milhares de cidadãos moçam- e não somente o lucro pessoal. É possível e necessário implementar uma eco- bicanos. Como voz dos mais frágeis, faremos eco das suas justas aspirações e nomia do bem comum. direitos. Como herdeiros da terra-mãe, comprometemo-nos na sua defesa, em nosso nome e em nome das gerações que nos seguirão. 50. Em 2025 celebraremos os 50 anos da nossa independência. A melhor ma- neira de os celebrar poderia ser a de começar já uma efecƟ va Reforma Agrária para corrigir os impactos negaƟ vos que as políƟ cas económicas agrárias actuais II. A QUESTÃO DA TERRA estão a causar nas comunidades rurais e em todo o País. Ainda mais, pode- ria ser uma reforma agrária e social que reconciliasse todos os moçambicanos 7. A ConsƟ tuição da República de Moçambique de 2004 refere no seu art. 109º: como membros dum mesmo povo e Nação, libertados da opressão de coloni- “1. A terra é propriedade do Estado. 2. A terra não pode ser vendida, ou por zadores e que permiƟ sse a distribuição equitaƟ va das riquezas que Deus deu a qualquer outra forma alienada, nem hipotecada e penhorada. 3. Como meio Moçambique para o usufruto de todos. universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento 1 51. Com efeito, não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; das terras é direito de todo o povo moçambicano” . mas uma complexa crise sócio-ambiental28. Desejamos poder celebrar os 50 8. Hoje a situação interna e a conjuntura internacional decorrente do processo anos de independência de Moçambique num ambiente de paz, fraternidade e de busca de matérias-primas, fontes energéƟ cas e campos de culƟ vo a preços harmonia social e ambiental. Por isso todos somos convidados a pôr, desde já, mais baixos fazem com que a terra seja vendida aos olhos de toda a gente, in- mãos à obra para criarmos as condições necessárias. cluindo das autoridades. QuesƟ onamo-nos se a terra funciona, de facto, como 52. Finalizamos esta carta invocando Maria, nossa Mãe. Que ela, Mãe de Mi- meio universal de criação de riqueza e de bem-estar e se o seu uso e apro- sericórdia, nos acolha sob o seu manto, olhe para nós e nos acompanhe pelo veitamento consƟ tui um direito exercido por todo o povo moçambicano. Esta caminho para essa terra desejada por todos onde habita a jusƟ ça. Sob o olhar questão agrava-se na ambição desmedida por terra para fi ns agrários, extração da Mãe, é possível que da terra árida fl oresçam plantas, fl ores e frutos e da e processamento dos recursos minerais, agro-negócios, bio-combusơ veis e a aridez das nossas relações surja a concórdia e a paz. implementação de mega-projetos que, em muitos casos, não são claros nas suas reais intenções. Sobre cada um de vós estendemos a nossa bênção. 9. EsƟ ma-se que desde o ano 2000 até 2013, 56 milhões de hectares de terra A paz esteja convosco! africana foram vendidas ou entregues a estrangeiros. Isto faz-nos perceber que as empresas e os governos dos países industrializados estão a procurar em Áfri- ca a solução à crise energéƟ ca e alimentar mundial dos seus próprios países e Beira, 30 de Abril de 2017 não necessariamente a procurar ajudar na resolução dos problemas dos africa- 2 nos ou dos moçambicanos . Aliás, como muito bem adverƟ u o Papa Francisco, D. Francisco Chimoio, Arcebispo de Maputo e Presidente da Conferência os países do hemisfério Norte deveriam começar por saldar a “dívida ecológica” Episcopal de Moçambique 3 para com os países do hemisfério sul . D. Hilário da Cruz Massinga, Bispo de Quelimane e Vice-presidente da 10. De todos os países africanos, o nosso país é um dos mais cobiçados pelas Conferência Episcopal de Moçambique empresas e países estrangeiros nestes úlƟ mos anos. De facto, o invesƟ mento D. João Carlos Hatoa Nunes, Bispo de Chimoio e Secretário Geral da CEM direto estrangeiro em Moçambique tem aumentado rapidamente nos úlƟ mos anos. De acordo com o Banco Nacional de Moçambique, em 2013, fomos o D. Lúcio Andrice Muandula, Bispo de Xai-Xai e Vogal da CEM 1 Todavia este princípio consƟ tucional parte do art. 3º da Lei nº 19/1997 de 1 de Outubro (Lei de te rras). 2 Cfr. Rodríguez Soto, J.C., “El saqueo de África”. Em: Vida Nueva, nº 2.757, 2011. 28 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 139. 3 Cfr. LS 51. 14 3 ----------------------- Page 4----------------------- 4 terceiro maior desƟ no de IDE (InvesƟ mento Direto Estrangeiro) em África . Nos social, políƟ ca e económica do país, mas combatam o “salve-se quem puder” úlƟ mos anos Moçambique tem vendido ou entregue para projetos de agro-ne- com uma aƟ tude consciente de solidariedade humana e cristã. Em todas as 5 gócio 535.539 hectares a empresas estrangeiras . Em 2007 foram idenƟ fi cadas Dioceses organizem-se cursos de formação sobre a Doutrina Social da Igreja em Moçambique cerca de 33 milhões de hectares (40% da superİ cie culƟ vável para ajudar os leigos a responderem à sua missão. Se parecer oportuno, orga- 6 do país) como válidas para o culƟ vo de bio-combusơ veis . Em 2009 realizou-se nizem-se associações de fi éis de uma determinada categoria profi ssional para uma iniciaƟ va do Banco Mundial, a Nova Aliança para a Segurança Alimentar e se entre-ajudarem. Nutricional do G8, para abrir Moçambique a projetos de agro-negócio de gran- de escala. Ao abrigo da Nova Aliança, um acordo-quadro foi assinado com Mo- 44. Apelamos aos sacerdotes, religiosos e religiosas que estão perto do povo çambique. Esse acordo foi transformado em políƟ ca pública nacional: o Plano e sabem do seu sofrimento e necessidades: tenham mais coragem para idenƟ - Nacional de InvesƟ mentos do Sector Agrário (PNISA) que se tornou no instru- fi car situações de injusƟ ça contra os camponeses e a actuarem em sua defesa 7 porque é a fi delidade à nossa consagração ao Deus da Vida que está em causa. mento que operacionaliza o desenvolvimento da agricultura em Moçambique . Todavia devemos refl ecƟ r sobre o modelo de desenvolvimento que sustenta 45. Aos meios de comunicação social: que comuniquem com amor à verdade. estas políƟ cas, a sua autenƟ cidade e jusƟ ça. Sede porta-vozes do povo e amplifi cadores das suas preocupações, e não dei- 11. A terra em Moçambique está a tornar-se uma fonte de problemas, prin- xeis que façam de vós poluidores do povo com meias verdades. cipalmente para as comunidades locais dependentes da terra para a sua so- 46. Aos invesƟ gadores das mais diversas áreas: debrucem-se sobre temas so- brevivência, das quais 90% são ocupadas por práƟ ca costumeira, modelo de ciais, éƟ cos, políƟ cos, ecológicos e fundamentem com a verdade e profi ssiona- 8 ocupação de terras reconhecida pela Lei de Terras . O desconhecimento dos lismo a real situação. Ensinem-nos também a ler a realidade à luz da biologia, direitos e deveres está a forçar as comunidades locais a abandonarem as suas do empreendedorismo, da jusƟ ça, entre outros. terras para favorecer os invesƟ dores público-privados. Tendo em vista a imple- mentação destas políƟ cas, muitos dos nossos irmãos camponeses são ‘convi- 47. Aos educadores e estudantes: aprofundem os conhecimentos sobre o solo, dados’ (e obrigados) a passar duma agricultura familiar para uma agricultura de a água, o ar, os seres vivos; celebrem publicamente os dias dedicados ao cui- contrato: “entreguem as terras a empresas estrangeiras que as podem rentabi- dado pela natureza; alertem para as causas e consequências das alterações cli- lizar mais e melhor e trabalharão como empregados das mesmas”. Repare-se máƟ cas; ensinem hábitos de higiene e de saúde pública; lutem contra todos que a tecnologia do agro-negócio não precisa de muita mão-de-obra pelo que os Ɵ pos de poluição; promovam acções a favor da limpeza das ruas, aldeias e a promessa de emprego aos agricultores funciona somente como mecanismo bairros; lutem por uma educação que não seja só instrução, mas voltada para de aliciamento das famílias camponesas a ceder as suas parcelas de terra aos os valores e aƟ tudes. invesƟ dores, sem quesƟ onamento nem resistência. Por outro lado, o produto do agro-negócio não tem como fi nalidade abastecer a população local mas a 48. Ora, de maneira especial fazemos uma chamada de atenção aos leigos cris- exportação, pelo que o camponês fi ca sem terra, sem trabalho e sem comida tãos que trabalham no mundo da políƟ ca: que as suas acções sejam de respeito que deverá depois comprar a preço de importação. à humanidade. Deste modo queremos lembrar as palavras do Papa dirigidas, de maneira especial a cada um de vós: “a políƟ ca é uma das formas mais altas 12. Em todas as províncias do País estão a surgir confl itos por causa da terra, da caridade pois que procura o bem comum”27. Portanto o vosso caminho para seja com a chegada dos mega-projectos ou outras empresas e invesƟ mentos alcançar a sanƟ dade é a políƟ ca. Exortamos que adorem o Senhor nesse serviço ligados a eles. A terra é um bem cobiçado que se torna raro para o moçambi- e não o parƟ do ou uma qualquer ideologia, que é uma forma de idolatria. É cano, tanto no meio rural como nas cidades. Apesar das lacunas que se pos- vosso dever cristão formar-vos na Doutrina Social da Igreja para trabalhardes com responsabilidade e éƟ ca, evitando qualquer Ɵ po de corrupção nessa mis- 4 Cfr. Banco de Moçambique, Relatório Anual 2013. 5 são tão importante e delicada. Cfr. GRAIN,“Os usurpadores de terras do corredor de Nacala”, Relatório 2015. 6 Cfr. The performanceof EU-Africa Energy Partnership, presentação realizada pelo ministro de Energia de Moçambique, InternaƟ onal Business Roundtable, ‘Business PerspecƟ ves ontheAfrica-Europe Energy 49. Do mesmo modo não podemos esquecer os empresários. A acƟ vidade em- Partnership, 27-29 de Junho de 2007, Hamburgo. 7 Cfr. GRAIN “Os usurpadores de terras do corredor de Nacala”, Relatório 2015. 27 Cfr. Papa Francisco, “Respostas do Papa Francisco às perguntas dos representantes das escolas dos 8 Cfr. art. 12. jesuítas na Itália e na Albânia”. VaƟ cano, 7 de Junho de 2013. 4 13 ----------------------- Page 5----------------------- V. A TERRA ESPERA POR NÓS sam encontrar na actual legislação sobre a terra, percebemos que ela prevê os mecanismos para que, na tomada de decisão sobre uma nova ocupação numa 37. Deus confi a e espera de nós a construção de um país no qual todos possa- comunidade rural, sejam fi xados os termos e condições que essa concessão/ mos viver como fi lhos e irmãos. É necessário voltar a senƟ r que necessitamos autorização deverá respeitar. A letra da lei não visa prejudicar os direitos e inte- uns dos outros, que temos uma responsabilidade uns para com os outros e que resses das comunidades que vivem nesses locais, mas abrem “portas” para um vale a pena sermos honestos. Nós somos hoje a comunidade à qual S. Pedro desenvolvimento inclusivo e harmonioso entre o invesƟ dor e as comunidades convidava outrora a esperar, operaƟ vamente, por uma nova terra onde habite locais, num processo em que ambos parƟ lham responsabilidades e beneİ cios. a jusƟ ça (2 Pd 3,13). Precisamos unir todos os sectores da sociedade na cons- Portanto, o problema resulta essencialmente da não aplicação da lei vigente trução do país que queremos. por parte de quem tem esse dever. 38. Para isso, precisamos traçar linhas de acção na nossa vida pessoal, social, 13. Entretanto, é preciso capacitar os membros das comunidades de modo a económica e políƟ ca que ajudem a fazer a nossa terra mais habitável e a nossa saberem como usar as terras que ocupam e os recursos naturais aí existentes convivência mais fraterna. segundo as normas costumeiras que não contrariam a ConsƟ tuição e demais 39. Não devemos aceitar um modelo de desenvolvimento que privilegia o lucro legislação vigente. De facto, quem cuida melhor da terra são os próprios do individual em detrimento da dignidade do ser humano e dos direitos das comu- lugar para quem a terra é mais do que um bem económico. Esperamos que a nidades. Percebamos que o desenvolvimento humano não se limita aos bens Assembleia da República, bem como outras instâncias legislaƟ vas, ao criar leis económicos, mas ao aperfeiçoamento pessoal e social de todos os membros da sobre a Terra, difi culte o seu acesso por parte de estrangeiros e empresas mul- família humana. Ɵ nacionais e, ao contrário, benefi cie as comunidades locais para que não sejam marginalizadas e empobrecidas, como tem acontecido. 40. Não devemos aceitar uma sociedade cuja economia está centrada na idola- tria do dinheiro. Não colaboremos com uma economia que mata. Procuremos 14. Por outra parte, o modelo económico que vigora no País é cada vez mais consumir os produtos locais produzidos pelos nossos agricultores, pelos nossos capitalista–consumista. A economia neoliberal e a globalização impulsionam- vizinhos. Não devemos aceitar um modelo de vida consumista. Não devemos -nos a consumir cada vez mais produtos que até agora não precisávamos e que aceitar e assisƟ r à destruição massiva das fl orestas, plantas e animais. subsƟ tuem os nossos tradicionais. Mais ainda: o consumo massivo signifi ca produção massiva, e produção massiva signifi ca esgotamento rápido de recur- 41. Cuidemos das relações com os nossos irmãos e com toda a criação. Apren- sos naturais não renováveis. E mesmo aqueles que são renováveis necessitam damos a respeitar, cuidar, proteger a vida em todas as suas fases e senƟ dos. de longos períodos para a sua recuperação. Este modelo de desenvolvimento Procuremos viver de maneira mais integrada e integral. não nos está ajudar a proteger e cuidar da terra, nossa casa comum. No dizer 9 lapidar do Papa Francisco: “esta economia mata” . 42. Eduquemos as novas gerações em valores e não somente em competên- cias. Com efeito, podemos formar técnicos, engenheiros, médicos, podemos 15. Não podemos esquecer, ainda que para os moçambicanos a terra pertence, ser até políƟ cos; se não conseguimos ter compaixão, empaƟ a, solidariedade, tradicionalmente, a um antepassado. A relação que temos com a terra e com se não cooperamos, se não temos o senƟ do de jusƟ ça, não conseguiremos ter um lugar não se reduz a uma simples funcionalidade no uso e aproveitamen- olhos para aquilo que nos rodeia. Hoje, temos de reconhecer que uma verda- to do mesmo: é uma relação vivencial, literalmente vital, porque nos une aos deira abordagem sobre a terra supõe uma abordagem social e económica, que nossos antepassados, nos oferece uma história e nos enraíza a vida. A terra, o deve integrar a jusƟ ça e a noção de desenvolvimento nos debates26. lugar, a natureza, é a garanƟ a da vida de família e da comunidade. Pedir a uma família que deixe a sua terra é pedir-lhe que corte com a sua história e abando- ne os seus antepassados. Por outro lado, recordamos que 70% do nosso povo VI. A TERRA EXIGE A NOSSA CONVERSÃO vive no meio rural, em contacto permanente com a natureza e a terra e delas dependendo para as suas necessidades vitais. Por isso, todas as leituras mate- 43. Apelamos a todos os cristãos: não fi quem cegos e surdos face à realidade rialistas, consumistas e exploradoras da natureza em geral e, concretamente, 26 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 49. 9 Cfr. Papa Francisco, Evangelii Gaudium(EG), n. 53. 12 5 ----------------------- Page 6----------------------- da terra ofendem a cultura e a tradição do nosso povo. A terra faz parte do pa- todos. Mas jamais reconheceu este direito como absoluto e intocável, indepen- trimónio material e imaterial a que os moçambicanos se sentem interiormente dente das circunstâncias. A terra foi dada para todos e os frutos dela devem vinculados. benefi ciar a todos. O princípio da subordinação da propriedade privada ao des- Ɵ no universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é 16. O que está em causa no nosso país neste momento é a ausência de uma uma «regra de ouro» do comportamento social e o «primeiro princípio de toda ecologia integral e de um modelo de desenvolvimento que respeite a integra- a ordem éƟ co-social»20. ção de todos, parƟ cularmente dos mais frágeis. Por um lado, são diversos os gritos da natureza que não estamos a querer escutar: de onde provêm as secas 35. Esta convicção do desƟ no universal dos bens convida a culƟ var uma visão prolongadas e as cheias destruidoras? De onde nasce a ausência de água potá- da economia inspirada em valores morais que permitam nunca perder de vista vel em meios rurais e citadinos? Qual a origem de novas doenças respiratórias e nem a origem, nem a fi nalidade de tais bens, de modo a realizar um mundo cardíacas? Qual a relação entre a destruição das fl orestas e as alterações climá- equitaƟ vo e solidário, em que a formação da riqueza possa assumir uma fun- Ɵ cas? Qual a relação entre a escassez de água e a subida do preço dos alimen- ção posiƟ va21 . Neste senƟ do é importante perceber que o acesso à terra está tos? Qual a ligação entre qualidade de vida nas cidades, o Ɵ po de construção a ser vedado por um sistema económico, de relações comerciais e de proprie- e ordenamento das casas, a organização do trânsito e a existência de zonas dade estruturalmente perverso22 que coloca o lucro, o beneİ cio das empresas verdes? Qual a ligação entre usufruto da terra, mega-projetos e combate à po- acima do bem comum e do direito à terra das comunidades. Como lembra o breza absoluta? Qual o vínculo entre a diversidade da natureza e a descoberta Papa Francisco na sua carta: “As economias de larga escala, especialmente no de novos medicamentos? Desafi amos os invesƟ gadores das mais diversas áreas sector agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas a formarem os cidadãos e cidadãs nestas e noutras perguntas e respostas. terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais”23 . Em muitos lugares, na sequência da introdução do agro-negócio, constata-se uma concentração de 17. Por outro lado, a conversão ecológica que tardamos em realizar, leva-nos a terras produƟ vas nas mãos de poucos, devido ao progressivo desaparecimento ignorar ou a menosprezar o clamor do povo e sobretudo o clamor dos pobres: de pequenos produtores, que, em consequência da perda das terras culƟ vadas, “tanto a experiência comum da vida quoƟ diana como a invesƟ gação cienơ fi ca se viram obrigados a reƟ rar-se da produção directa24. Em consequência, muitos demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais reca- deles emigram para a cidade onde fi cam a morar em condições miseráveis. em sobre as pessoas mais pobres”10. Na realidade, o elo mais fraco da cadeia da sobrevivência às agressões são os mais pobres: porque lhes falta a informação 36. De maneira especial, o Papa chama a atenção sobre o respeito que se deve dos seus direitos; porque lhes falta a capacidade de se fazerem ouvir; porque ter às próprias comunidades com as suas tradições agrícolas. “Devem tornar- lhes falta o poder económico para encontrarem soluções alternaƟ vas; porque -se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes ignoram a sua capacidade de mobilização; porque lhes faltam as lideranças que projectos que afectam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um façam ouvir as suas vozes; porque lhes faltam meios de assistência e proteção. bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela des- cansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a 18. SinteƟ za o Papa Francisco: “estas situações provocam os gemidos da irmã sua idenƟ dade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objecto de que reclama de nós outro rumo. Nunca maltratámos e ferimos a nossa casa pressões para que abandonem as suas terras e as deixem livres para projectos comum como nos úlƟ mos dois séculos (...) não dispomos ainda da cultura ne- extracƟ vos e agro-pecuários que não prestam atenção à degradação da natu- cessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que reza e da cultura”25. tracem caminhos, procurando dar resposta às necessidades das gerações ac- tuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se indispen- sável criar um sistema normaƟ vo que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do 20 Cfr. Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), n. 174. 21 Cfr. Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), n. 174. paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a políƟ ca, mas 22 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 52. 23 Cfr. Papa Francisco, LS n. 129. 10 Cfr. Conferência Episcopal da Bolívia, Carta pastoral El universo, don de Dios para la vida (2012), 17. 24 Cfr. Papa Francisco, LS n. 139. 25 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 146. 6 11 ----------------------- Page 7----------------------- Tiago, que presidiu a uma comunidade onde se acrescentavam as diferenças também com a liberdade e a jusƟ ça”11. sociais entre uma minoria escandalosamente rica e uma maioria pobre. Acaso não somos todos irmãos? “Vós, ricos chorai e gemei por causa das desgraças 19. Em resumo, o problema da terra não é um problema isolado ou restrito que sobre vós virão. As vossas riquezas estão podres e as roupas estão sen- ao aspecto económico. É um assunto social, cultural e religioso. Não podemos do devoradas pelas traças. O ouro e a prata enferrujaram e a ferrugem dará trabalhar pela paz sem cuidar da natureza e da jusƟ ça social. Não podemos testemunho contra vós e vos roerá as carnes, como fogo. Entesourastes para habituar-nos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam famílias, se os úlƟ mos dias. Eis que o salário dos trabalhadores, que vos colheram os cam- afastam os camponeses e se abusa da natureza. Por isso, como dizia o Papa pos, foi reƟ do por vós! Ele grita e os gritos dos trabalhadores chegaram até os Francisco no úlƟ mo encontro com os movimentos populares, é preciso colo- ouvidos do Senhor dos exércitos. Vivestes no luxo sobre a terra, entregues-vos carmos algumas tarefas imprescindíveis para uma alternaƟ va humana frente à devassidão, e engordastes o coração para o dia da matança. Condenastes, à globalização da indiferença: 1º) pôr a economia ao serviço dos povos; 2º) assassinastes o justo e ele não vos resisƟ u” (Tg 5,1-6). construir a paz e a jusƟ ça; 3º) defender a Mãe Terra12. III. A PALAVRA DE DEUS ILUMINA A TERRA IV. A IGREJA CAMINHA NA TERRA - DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 32. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Por isso, perante os 20. A Bíblia ensina que a mais anƟ ga promessa de Deus ao seu povo, através de Abraão, se resume desta forma: “À tua descendência darei esta terra”. Estas problemas que surgem em torno à posse da terra, a Igreja não pode nem deve fi car à margem na luta pela jusƟ ça15. Desde sempre ela tem fi cado atenta a este palavras ressoam no nosso coração: a terra não é nossa, é um presente, uma problema lembrando quais são as exigências da solidariedade humana assim herança que recebemos e a melhor herança que deixaremos às próximas gera- como as convicções da Igreja. Os Padres da Igreja (primeiros escritores cristãos) ções. Alargando este senƟ do, a Bíblia lembra-nos que Deus fez o ser humano a eram claros nas suas pregações já em tempos imemoráveis. “Não dás da tua parƟ r da terra, insufl ando nela o Seu Espírito de vida (Gn 2,7). É a parƟ cipação fortuna - dizia Santo Ambrósio16 - ao seres generoso para com o pobre, tu dás no Espírito de Deus que nos faz “administradores” da terra com o direito e o daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a Ɵ foi dado em comum dever de dominá-la bem como toda a criação (Gn 1,28). Como o Papa Francis- para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos”. Desde sem- co explica na carta encíclica ‘Louvado sejas’, isto não pode ser compreendido pre foi clara, na Igreja, a convicção de que Deus entregou os bens da terra para como direito a submeter, explorar e devastar a terra, mas sim como a respon- o beneİ cio de todos e não de uns poucos. sabilidade de culƟ vá-la e cuidar. CulƟ var e cuidar da criação supõe uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza13. 33. O direito de propriedade (e a Igreja refere-se sempre, primeiro de tudo, ao direito da posse da terra17) nunca deve exercer-se em detrimento do bem 21. E porque a terra não nos pertence mas é um presente de Deus, a terra comum. Por isso, em casos de confl ito entre os direitos privados e adquiridos não pode ser vendida; é inalienável. “A terra não pode vender-se para sempre, e as exigências comunitárias primordiais, deve se resolver com a parƟ cipação porque a terra é minha e vocês estão na minha terra como hóspedes e estran- acƟ va das pessoas e dos grupos sociais18. Deus desƟ nou a terra com tudo o que geiros” (Lev 25,23). Daí a lei do ano sabáƟ co e, mais tarde, do ano Jubilar. Estas ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados leis (de seis em seis ou de 50 em 50 anos) falam de liberdade de propriedades, devem chegar equitaƟ vamente às mãos de todos, segundo a jusƟ ça, secundada perdão de dívidas e descanso da terra e animais. pela caridade19. 22. Porque um povo escravo liberto não pode produzir escravos (Dt 15,15), nes- 34. A tradição da Igreja sempre defendeu o direito à propriedade privada, de ses anos os escravos eram deixados em liberdade e as terras, acumuladas em poucas mãos, compradas para saldar dívidas, eram devolvidas aos seus donos e 15 Cfr. Papa Francisco, EG, n. 183. famílias originais. De 50 em 50 anos realizava-se uma espécie de Reforma Agrá- 16 Santo Ambrósio (337-397). Bispo de Milão e Padre da Igreja 17 Cfr. Papa João Paulo II, Centesimus Annus (CA), n. 6. 11 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 53. 18 Cfr. Papa Paulo VI, Populorum Progressio (PP), n. 23. 12 Cfr. Discurso do Papa Francisco aos parƟ cipantes no III encontro mundial dos movimentos populares, 19 Cfr. Concílio VaƟ cano II, Gaudium et Spes (GS) n 69; Cfr. Laudato Si, n. 93. Novembro de 2016. 13 Cfr. Papa Francisco, LS, n. 66, 67. 10 7 ----------------------- Page 8----------------------- ria na qual se distribuía de novo a terra de maneira equitaƟ va entre pessoas 27. Isaías, no Reino do Sul (Judá) observou também como os dirigentes do povo livres. O dom da libertação e da terra promeƟ da estão, portanto, inƟ mamente quebravam a aliança provocando pobreza e miséria no povo. Após cantar o ligados a uma praxe que deve regular, na jusƟ ça e na solidariedade, o desenvol- canto da vinha do amigo, o profeta lança uma série de admoestações onde o vimento da sociedade israelita14, na qual nós, Povo de Deus, nos espelhamos. pecado do laƟ fúndio aparece como o primeiro: “Ai daqueles que ajuntam casa a casa e aproximam campo a campo, até que não haja mais lugar e habitem 23. A usurpação e o atropelo à dignidade humana assim como a indiferença sozinhos no meio do país” (Is 5,8). perante situações de injusƟ ça não são um fenómeno novo. Desde os tempos do início da monarquia em Israel, os reis, através do sistema das taxas, foram 28. O profeta Miquéias era camponês. Denunciou com duro realismo a usur- apropriando-se de todas as terras dos camponeses e podiam dar e receber ter- pação de terras que estavam realizando os novos-ricos: “Ai dos que planeiam ras como um presente ou nas negociações com outros reis e/ou guerras (2 Sam iniquidade e tramam o mal nos seus leitos! Ao amanhecer praƟ cam o mal, por- 24,24; 1 Rs 16,24). Esta nova visão mais mercanƟ lista da terra, chocava com a que isto está em seu poder. Cobiçam os campos e roubam-nos, cobiçam casas consciência da terra ser um dom de Deus que deviam conservar para sempre. e tomam-nas; oprimem o homem e a sua casa, o dono e a sua herança” (Mq 2,1). Os profetas associam e idenƟ fi cam a usurpação de terras e o acumular de 24. Já anteriormente a história de José deixa perceber o que acontecia no Egip- riquezas em poucas mãos com a idolatria e a ruptura da aliança: deixaram de to durante um período de fome (Gn 47,13-22). Primeiramente José vende co- ser o Seu povo, o Povo de Deus. mida por dinheiro. Depois, comida por gado e fi nalmente comida por terra. Assim, “José comprou para o Faraó toda a terra do Egipto, pois os egípcios ven- 29. Ainda que no tempo de Jesus, a PalesƟ na esƟ vesse sob a dominação roma- diam os seus campos, obrigados pela fome” (Gn 47,20). na, o tema da terra não aparece como primeira preocupação nos evangelhos. Jesus fala e denuncia a relação da cobiça frente às coisas e o perigo das rique- 25. Os profetas bíblicos destacaram-se por serem a consciência de Deus no zas. Assim, quando alguém vem a Ele para solicitar a sua intervenção junto do meio do povo e denunciar, em nome de Deus, os abusos de poder. O profeta irmão para que este parƟ lhe a herança, Jesus não entra em questões pontuais, Elias denuncia o rei Acab quando este aceita matar o camponês Nabot para mas apresenta aquela parábola do rico insensato: “E disse-lhes: Acautelai-vos arrebatar-lhe a terra (1 Rs 21). A resposta de Nabot ao rei quando este lhe soli- e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer pessoa não consiste na cita a venda da sua terra: “Pelo Senhor! Seria um sacrilégio ceder-te a herança abundância do que possui. E propôs-lhe uma parábola, dizendo: A terra de um dos meus pais” (1 Rs 21,3), pode trazer-nos à memória o sofrimento de tantos homem rico Ɵ nha produzido com abundância; E ele pensava consigo mesmo, irmãos a quem é Ɵ rada indiscriminadamente a terra. dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: 26. O profeta Amós viveu sob o reinado de Jeroboão II, no Reino de Israel. Derrubarei os meus celeiros, e edifi carei outros maiores, e ali recolherei todos Tempo próspero economicamente para alguns sectores, mas funesto para os os meus produtos e os meus bens; E direi à minha alma: Alma, tens em depó- pobres e, por conseguinte, para a fé em Deus: os mais poderosos apropria- sito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus vam-se das terras dos pobres; crescia o poder económico, por causa da usu- disse-lhe: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para ra e a corrupção administraƟ vo-judicial; os pequenos proprietários acabavam quem será? Assim é aquele que para si junta tesouros, e não é rico para com converƟ dos em assalariados na sua própria terra e mesmo escravos (Am 2,6). Deus” (Lc 12,13-21). Nesse ambiente, Amós, em nome de Deus, junto aos camponeses, denunciou 30. A pregação de Jesus, centrada no reino de Deus, vai dirigida à conversão duramente o lucro dos comerciantes, que construiam “casas de pedra talhada teológica, não só moral, convidando a deixar de adorar os ídolos da riqueza, (Am 5,11), recobertas de marfi m e silhões com almofadas de Damasco (Am tanto material como espiritual, que divide a sociedade em ricos e pobres, bons 3,12; 6,4); as suas mesas estão cheias de excelentes vinhos e deliciosos per- e maus, para adorar o Pai de todos que nos faz irmãos e fi lhos livres, em Jesus. fumes (Am 4,1; 6,6). E o pior, declara Amós, é que vivem assim sem fi carem De facto, a experiência da primeira comunidade cristã era a parƟ lha dos bens: minimamente preocupados com a ruína do povo (Am 6,6). Pelo contrário: eles vendiam suas propriedades e bens, e reparƟ am com todos, segundo a necessi- são a causa da miséria do povo. dade de cada um (Act 2,45; 4,34). 14 Cfr. Compêndio da Doutrina Social da Igreja nº 23. 31. Esta mesma tradição é recolhida no Novo Testamento pelo Apóstolo São “À TUA DESCENDÊNCIA DAREI ESTA TERRA”. (Gen 12,7). CARTA PASTORAL DOS BISPOS CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE 9


      “À TUA DESCENDÊNCIA  DAREI ESTA TERRA” .Gn 12,7.

                       CARTA PASTORAL DOS BISPOS 

                       CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE

                    ÀS COMUNIDADES E FAMÍLIAS CRISTÃS 

                        E ÀS PESSOAS DE BOA VONTADE

                               Beira, 30 de Abril de 2017




Caríssimos irmãos e irmãs:                                                                                           

I.INTRODUÇÃO                                                                                                         

1. Nós, Bispos Católicos de Moçambique, neste tempo especial de Páscoa, desejamos fazer chegar a nossa saudação a todas as comunidades,  famílias cristãs e                                                                                    pessoas de boa vontade. A paz esteja convosco!
                                                                                                                  

2. A terra em Moçambique está em agonia profunda! Chega até nós, cada dia, 

a preocupação e o desencanto de tantas comunidades cristãs e não cristãs que enfrentam confl itos de terra pondo em perigo a própria segurança alimentar e 

a estabilidade familiar e social. 



3. Por outro  lado,  passados  dois  anos da  publicação  da  Encíclica Laudato  Si 

(=Louvado sejas) do Papa Francisco, sobre o cuidado da casa comum, quere-

mos com esta carta pastoral concreƟ zar alguns aspectos dessa mensagem no 

contexto do nosso País. Convidamos, por isso, de modo parƟ cular os cristãos 

católicos, a lerem e a refl ecƟ rem a referida Carta Encíclica individualmente ou 

em grupo. 



4. A Encíclica Laudato Si faz parte da Doutrina Social da Igreja que, fundamen-

tada na Sagrada Escritura, desde os primórdios da Igreja busca iluminar a reali-

dade, os problemas e confl itos que surgem na convivência humana com vista a 

respeitar a dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. 

Dela podemos  Ɵ rar um grande proveito para a interpretação  da  actualidade 

moçambicana e para manifestarmos, na práƟ ca, o que signifi ca o cuidado pela 

casa comum.



5. Esta releitura conduzir-nos-á a rever algumas das nossas aƟ tudes para com 

os outros, para com a terra e, acima de tudo, para com Deus, Nosso Senhor. 

Por isso queremos apelar aos diferentes actores da nossa vida social, políƟ ca, 

económica e religiosa a fi m de que procuremos juntos, o melhor para o País e 

para os que nele habitamos.



6. Como anunciadores do Evangelho, deixamos  desde  já uma mensagem  de 



                                                                                                                                                                                                    

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presarial é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o                                             esperança alicerçada na realidade, na fé e no ideal de fraternidade. Como pas-

mundo; rogamos que coloquem no centro da vossa acƟ vidade o bem comum                                                  tores da Igreja Católica, somos  voz de muitos milhares de cidadãos moçam-

e não somente o lucro pessoal. É possível e necessário implementar uma eco-                                            bicanos. Como voz dos mais frágeis, faremos eco das suas justas aspirações e 

nomia do bem comum.                                                                                                    direitos. Como herdeiros da terra-mãe, comprometemo-nos na sua defesa, em 

                                                                                                                       nosso nome e em nome das gerações que nos seguirão.
 Em 2025 celebraremos os 50 anos da nossa independência. A melhor ma-

neira de os celebrar poderia ser a de começar já uma efecƟ va Reforma Agrária 

para corrigir os impactos negaƟ vos que as políƟ cas económicas agrárias actuais 

                                                                                                                       II. A QUESTÃO DA TERRA

estão a causar nas comunidades rurais e em todo o País. Ainda mais, pode-

ria ser uma reforma agrária e social que reconciliasse todos os moçambicanos                                           7. A Constituição da República de Moçambique de 2004 refere no seu art. 109º: 

como membros dum mesmo povo e Nação, libertados da opressão de coloni-                                                 “1. A terra é propriedade do Estado. 2. A terra não pode ser vendida, ou por 

zadores e que permiƟ sse a distribuição equitaƟ va das riquezas que Deus deu a                                         qualquer outra forma alienada, nem hipotecada e penhorada. 3. Como meio 

Moçambique para o usufruto de todos.                                                                                   universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento 



                                                                                                                                                                                   1

51. Com efeito, não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social;                                            das terras é direito de todo o povo moçambicano” .

mas  uma  complexa  crise sócio-ambiental28.  Desejamos  poder celebrar os  50                                         8. Hoje a situação interna e a conjuntura internacional decorrente do processo 



anos de independência de Moçambique num ambiente de paz, fraternidade e                                                de busca de matérias-primas, fontes energéƟ cas e campos de culƟ vo a preços 

harmonia social e ambiental. Por isso todos somos convidados a pôr, desde já,                                          mais baixos fazem com que a terra seja vendida aos olhos de toda a gente, in-

mãos à obra para criarmos as condições necessárias.                                                                    cluindo das autoridades. QuesƟ onamo-nos se a terra funciona, de facto, como 



52. Finalizamos esta carta invocando Maria, nossa Mãe. Que ela, Mãe de Mi-                                             meio universal de criação de riqueza  e de bem-estar e se o seu uso e apro-

sericórdia, nos acolha sob o seu manto, olhe para nós e nos acompanhe pelo                                             veitamento consƟ tui um direito exercido por todo o povo moçambicano. Esta 

caminho para essa terra desejada por todos onde habita a jusƟ ça. Sob o olhar                                          questão agrava-se na ambição desmedida por terra para fi ns agrários, extração 

da Mãe, é possível que da terra árida fl oresçam plantas, fl ores e frutos e da                                          e processamento dos recursos minerais, agro-negócios, bio-combusơ veis e a 

aridez das nossas relações surja a concórdia e a paz.                                                                  implementação de mega-projetos  que,  em  muitos casos, não são claros  nas 

                                                                                                                       suas reais intenções.

Sobre cada um de vós estendemos a nossa bênção.

                                                                                                                       9. EsƟ ma-se que desde o ano 2000 até 2013, 56 milhões de hectares de terra 

A paz esteja convosco!                                                                                                 africana foram vendidas ou entregues a estrangeiros. Isto faz-nos perceber que 

                                                                                                                       as empresas e os governos dos países industrializados estão a procurar em Áfri-

                                                                                                                       ca a solução à crise energéƟ ca e alimentar mundial dos seus próprios países e 
                                                                                  não necessariamente a procurar ajudar na resolução dos problemas dos africa-



                                                                                                                                                      

                                                                                                                       nos ou dos moçambicanos . Aliás, como muito bem adverƟ u o Papa Francisco, 

 os países do hemisfério Norte deveriam começar por saldar a “dívida ecológica” 

                                                                                                                                       

                                                                                                                       para com os países do hemisfério sul .



10. De todos os países africanos, o nosso país é um dos mais cobiçados pelas 

                                                                            empresas e países estrangeiros nestes úlƟ mos anos. De facto, o invesƟ mento 



                                           direto estrangeiro em Moçambique tem aumentado rapidamente nos úlƟ mos 

                                                                                                                       anos. De acordo  com  o Banco  Nacional  de  Moçambique, em 2013,  fomos o 

                                                                                                                     1 Todavia este princípio consƟ tucional parte do art. 3º da Lei nº 19/1997 de 1 de Outubro (Lei de te rras).

                                                                                                                


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terceiro maior desƟ no de IDE (InvesƟ mento Direto Estrangeiro) em África . Nos                                             social, políƟ ca e económica do país, mas combatam o “salve-se quem puder” 

úlƟ mos anos Moçambique tem vendido ou entregue para projetos de agro-ne-                                                   com uma  aƟ tude consciente de solidariedade humana e cristã. Em  todas  as 

                                                            5

gócio 535.539 hectares a empresas estrangeiras . Em 2007 foram idenƟ fi cadas                                                Dioceses organizem-se cursos de formação sobre a Doutrina Social da Igreja 

em Moçambique cerca de 33 milhões de hectares (40% da superİ cie culƟ vável                                                 para ajudar os leigos a responderem à sua missão. Se parecer oportuno, orga-

                                                                     

do país) como válidas para o culƟ vo de bio-combusơ veis . Em 2009 realizou-se                                              nizem-se associações de fi éis de uma determinada categoria profi ssional para 

uma iniciaƟ va do Banco Mundial, a Nova Aliança para a Segurança Alimentar e                                                se entre-ajudarem. 

Nutricional do G8, para abrir Moçambique a projetos de agro-negócio de gran-

de escala. Ao abrigo da Nova Aliança, um acordo-quadro foi assinado com Mo-                                                 44. Apelamos aos sacerdotes, religiosos e religiosas que estão perto do povo 

çambique. Esse acordo foi transformado em políƟ ca pública nacional: o Plano                                                e sabem do seu sofrimento e necessidades: tenham mais coragem para idenƟ -

Nacional de InvesƟ mentos do Sector Agrário (PNISA) que se tornou no instru-                                               fi car situações de injusƟ ça contra os camponeses e a actuarem em sua defesa 

                                                                                                7                           porque é a fi delidade à nossa consagração ao Deus da Vida que está em causa. 

mento que operacionaliza o desenvolvimento da agricultura em Moçambique . 

Todavia devemos refl ecƟ r sobre o modelo de desenvolvimento que sustenta                                                    45. Aos meios de comunicação social: que comuniquem com amor à verdade. 

estas políƟ cas, a sua autenƟ cidade e jusƟ ça.                                                                             Sede porta-vozes do povo e amplifi cadores das suas preocupações, e não dei-



11. A terra em Moçambique está a tornar-se uma fonte de problemas, prin-                                                   xeis que façam de vós poluidores do povo com meias verdades.



cipalmente para as comunidades locais dependentes da terra para a sua so-                                                   46. Aos invesƟ gadores das mais diversas áreas: debrucem-se sobre temas so-

brevivência, das quais 90% são ocupadas por práƟ ca costumeira, modelo de                                                   ciais, éƟ cos, políƟ cos, ecológicos e fundamentem com a verdade e profi ssiona-

                                            
ocupação de terras reconhecida pela  Lei de Terras . O desconhecimento dos                                                  lismo a real situação. Ensinem-nos também a ler a realidade à luz da biologia, 

direitos e deveres está a forçar as comunidades locais a abandonarem as suas                                                do empreendedorismo, da jusƟ ça, entre outros.

terras para favorecer os invesƟ dores público-privados. Tendo em vista a imple-

mentação destas políƟ cas, muitos dos nossos irmãos camponeses são ‘convi-                                                  47. Aos educadores e estudantes: aprofundem os conhecimentos sobre o solo, 

dados’ (e obrigados) a passar duma agricultura familiar para uma agricultura de                                             a água, o ar, os seres vivos; celebrem publicamente os dias dedicados ao cui-

contrato: “entreguem as terras a empresas estrangeiras que as podem rentabi-                                                dado pela natureza; alertem para as causas e consequências das alterações cli-

lizar mais e melhor e trabalharão como empregados das mesmas”. Repare-se                                                    máƟ cas; ensinem hábitos de higiene e de saúde pública; lutem contra todos 

que a tecnologia do agro-negócio não precisa de muita mão-de-obra pelo que                                                  os Ɵ pos de poluição; promovam acções a favor da limpeza das ruas, aldeias e 

a promessa de emprego aos agricultores funciona somente como mecanismo                                                      bairros; lutem por uma educação que não seja só instrução, mas voltada para 

de aliciamento das famílias camponesas a ceder as suas parcelas de terra aos                                                os valores e aƟ tudes.

invesƟ dores, sem quesƟ onamento nem resistência. Por outro lado, o produto 

do agro-negócio não tem como fi nalidade abastecer a população local mas a                                                   48. Ora, de maneira especial fazemos uma chamada de atenção aos leigos cris-

exportação, pelo que o camponês fi ca sem terra, sem trabalho e sem comida                                                  tãos que trabalham no mundo da políƟ ca: que as suas acções sejam de respeito 

que deverá depois comprar a preço de importação.                                                                            à humanidade. Deste modo queremos lembrar as palavras do Papa dirigidas, 
                                                                                                                 de maneira especial a cada um de vós: “a políƟ ca é uma das formas mais altas 

12. Em todas as províncias do País estão a surgir confl itos por causa da terra,                                             da caridade pois que procura o bem comum”27. Portanto o vosso caminho para 



seja com a chegada dos mega-projectos ou outras empresas e invesƟ mentos                                                    alcançar a sanƟ dade é a políƟ ca. Exortamos que adorem o Senhor nesse serviço 

ligados a eles. A terra é um bem cobiçado que se torna raro para o moçambi-                                                 e não o parƟ do ou uma qualquer ideologia, que é uma forma de idolatria. É 

cano, tanto no meio rural como nas cidades. Apesar das lacunas que se pos-                                                 vosso dever cristão formar-vos na Doutrina Social da Igreja para trabalhardes 

                                                                                                                            com responsabilidade e éƟ ca, evitando qualquer Ɵ po de corrupção nessa mis-
são tão importante e delicada.

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V. A TERRA ESPERA POR NÓS                                                                                           sam encontrar na actual legislação sobre a terra, percebemos que ela prevê os 

                                                                                                                    mecanismos para que, na tomada de decisão sobre uma nova ocupação numa 

37. Deus confi a e espera de nós a construção de um país no qual todos possa-                                        comunidade rural, sejam fi xados os termos e condições que essa concessão/

mos viver como fi lhos e irmãos. É necessário voltar a senƟ r que necessitamos                                       autorização deverá respeitar. A letra da lei não visa prejudicar os direitos e inte-

uns dos outros, que temos uma responsabilidade uns para com os outros e que                                         resses das comunidades que vivem nesses locais, mas abrem “portas” para um 

vale a pena sermos honestos. Nós somos hoje a comunidade à qual S. Pedro                                            desenvolvimento inclusivo e harmonioso entre o invesƟ dor e as comunidades 

convidava outrora a esperar, operaƟ vamente, por uma nova terra onde habite                                         locais, num processo em que ambos parƟ lham responsabilidades e beneİ cios. 

a jusƟ ça (2 Pd 3,13). Precisamos unir todos os sectores da sociedade na cons-                                      Portanto, o problema resulta essencialmente da não aplicação da lei vigente 

trução do país que queremos.                                                                                        por parte de quem tem esse dever.



38. Para isso, precisamos traçar linhas de acção na nossa vida pessoal, social,                                     13. Entretanto, é preciso capacitar os membros das comunidades de modo a 

económica e políƟ ca que ajudem a fazer a nossa terra mais habitável e a nossa                                      saberem como usar as terras que ocupam e os recursos naturais aí existentes 

convivência mais fraterna. 

                                                                                                                    segundo as normas costumeiras que não contrariam a ConsƟ tuição e demais 

39. Não devemos aceitar um modelo de desenvolvimento que privilegia o lucro                                         legislação vigente. De facto, quem cuida melhor da terra são os próprios do 

individual em detrimento da dignidade do ser humano e dos direitos das comu-                                        lugar para quem a terra é mais do que um bem económico. Esperamos que a 

nidades. Percebamos que o desenvolvimento humano não se limita aos bens                                             Assembleia da República, bem como outras instâncias legislaƟ vas, ao criar leis 

económicos, mas ao aperfeiçoamento pessoal e social de todos os membros da                                          sobre a Terra, difi culte o seu acesso  por parte de estrangeiros e empresas mul-

família humana.                                                                                                     Ɵ nacionais e, ao contrário, benefi cie as comunidades locais para que não sejam 

                                                                                                                    marginalizadas e empobrecidas, como tem acontecido.

40. Não devemos aceitar uma sociedade cuja economia está centrada na idola-

tria do dinheiro. Não colaboremos com uma economia que mata. Procuremos                                             14. Por outra parte, o modelo económico que vigora no País é cada vez mais 

consumir os produtos locais produzidos pelos nossos agricultores, pelos nossos                                      capitalista–consumista. A economia neoliberal e a globalização impulsionam-

vizinhos. Não devemos aceitar um modelo de vida consumista. Não devemos                                             -nos a consumir cada vez mais produtos que até agora não precisávamos e que 

aceitar e assisƟ r à destruição massiva das fl orestas, plantas e animais.                                           subsƟ tuem  os  nossos  tradicionais.  Mais  ainda:  o  consumo  massivo  signifi ca 

                                                                                                                    produção massiva, e produção massiva signifi ca esgotamento rápido de recur-

41. Cuidemos das relações com os nossos irmãos e com toda a criação. Apren-                                         sos naturais não renováveis. E mesmo aqueles que são renováveis necessitam 

damos a respeitar, cuidar, proteger a vida em todas as suas fases e senƟ dos.                                       de longos períodos para a sua recuperação. Este modelo de desenvolvimento 

Procuremos viver de maneira mais integrada e integral.                                                              não nos está ajudar a proteger e cuidar da terra, nossa casa comum. No dizer 



                                                                                                                                                                    

                                                                                                              lapidar do Papa Francisco: “esta economia mata” .

42. Eduquemos as novas gerações em valores e não somente em competên-

cias. Com efeito,  podemos formar técnicos, engenheiros, médicos, podemos                                           15. Não podemos esquecer, ainda que para os moçambicanos a terra pertence, 

ser até políƟ cos; se não conseguimos ter compaixão, empaƟ a, solidariedade,                                        tradicionalmente, a um antepassado. A relação que temos com a terra e com 

se não cooperamos, se não temos o senƟ do de jusƟ ça, não conseguiremos ter                                         um lugar não se reduz a uma simples funcionalidade no uso e aproveitamen-

olhos para aquilo que nos rodeia. Hoje, temos de reconhecer que uma verda-                                          to do mesmo: é uma relação vivencial, literalmente vital, porque nos une aos 

deira abordagem sobre a terra supõe uma abordagem social e económica, que                                           nossos antepassados, nos oferece uma história e nos enraíza a vida. A terra, o 

deve integrar a jusƟ ça e a noção de desenvolvimento nos debates26.                                                 lugar, a natureza, é a garanƟ a da vida de família e da comunidade. Pedir a uma 



                                                                                                                    família que deixe a sua terra é pedir-lhe que corte com a sua história e abando-

                                                                                                                    ne os seus antepassados. Por outro lado, recordamos que 70% do nosso povo 

VI. A TERRA EXIGE A NOSSA CONVERSÃO                                                                                 vive no meio rural, em contacto permanente com a natureza e a terra e delas 

                                                                                                                    dependendo para as suas necessidades vitais. Por isso, todas as leituras mate-

43. Apelamos a todos os cristãos: não fi quem cegos e surdos face à realidade                                        rialistas, consumistas e exploradoras da natureza em geral e, concretamente, 


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da terra ofendem a cultura e a tradição do nosso povo. A terra faz parte do pa-                                          todos. Mas jamais reconheceu este direito como absoluto e intocável, indepen-

trimónio material e imaterial a que os moçambicanos se sentem interiormente                                              dente das circunstâncias. A terra foi dada para todos e os frutos dela devem 

vinculados.                                                                                                              benefi ciar a todos. O princípio da subordinação da propriedade privada ao des-

                                                                                                                         Ɵ no universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é 

16. O que está em causa no nosso país neste momento é a ausência de uma                                                  uma «regra de ouro» do comportamento social e o «primeiro princípio de toda 

ecologia integral e de um modelo de desenvolvimento que respeite a integra-                                              a ordem éƟ co-social»20.

ção de todos, parƟ cularmente dos mais frágeis. Por um lado, são diversos os 

gritos da natureza que não estamos a querer escutar: de onde provêm as secas                                             35. Esta convicção do desƟ no universal dos bens convida a culƟ var uma visão 

prolongadas e as cheias destruidoras? De onde nasce a ausência de água potá-                                             da economia inspirada em valores morais que permitam nunca perder de vista 

vel em meios rurais e citadinos? Qual a origem de novas doenças respiratórias e                                          nem a origem, nem a fi nalidade de tais bens, de modo a realizar um mundo 

cardíacas? Qual a relação entre a destruição das fl orestas e as alterações climá-                                        equitaƟ vo e solidário, em que a formação da riqueza possa assumir uma fun-

Ɵ cas? Qual a relação entre a escassez de água e a subida do preço dos alimen-                                           ção posiƟ va21 . Neste senƟ do é importante perceber que o acesso à terra está 


tos? Qual a ligação entre qualidade de vida nas cidades, o Ɵ po de construção                                            a ser vedado por um sistema económico, de relações comerciais e de proprie-

e  ordenamento  das casas,  a  organização do trânsito  e a existência de zonas                                          dade estruturalmente perverso22 que coloca o lucro, o beneİ cio das empresas 



verdes? Qual a ligação entre usufruto da terra, mega-projetos e combate à po-                                            acima do bem comum e do direito à terra das comunidades. Como lembra o 

breza absoluta? Qual o vínculo entre a diversidade da natureza e a descoberta                                            Papa Francisco na sua carta: “As economias de larga escala, especialmente no 

de novos medicamentos? Desafi amos os invesƟ gadores das mais diversas áreas                                              sector agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas 

a formarem os cidadãos e cidadãs nestas e noutras perguntas e respostas.                                                 terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais”23 . Em muitos lugares, na 

                                                                                                                      sequência da introdução do agro-negócio,  constata-se  uma  concentração  de 

17. Por outro lado, a conversão ecológica que tardamos em realizar, leva-nos a                                           terras produƟ vas nas mãos de poucos, devido ao progressivo desaparecimento 

ignorar ou a menosprezar o clamor do povo e sobretudo o clamor dos pobres:                                               de pequenos produtores, que, em consequência da perda das terras culƟ vadas, 

“tanto a experiência comum da vida quoƟ diana como a invesƟ gação cienơ fi ca                                             se viram obrigados a reƟ rar-se da produção directa24. Em consequência, muitos 

demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais reca-                                             deles emigram para a cidade onde fi cam a morar em condições miseráveis. 

em sobre as pessoas mais pobres”10. Na realidade, o elo mais fraco da cadeia da 



sobrevivência às agressões são os mais pobres: porque lhes falta a informação                                            36. De maneira especial, o Papa chama a atenção sobre o respeito que se deve 

dos seus direitos; porque lhes falta a capacidade de se fazerem ouvir; porque                                            ter às próprias comunidades com as suas tradições agrícolas. “Devem tornar-

lhes falta o poder económico para encontrarem soluções alternaƟ vas; porque                                              -se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes 

ignoram a sua capacidade de mobilização; porque lhes faltam as lideranças que                                            projectos que afectam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um 

façam ouvir as suas vozes; porque lhes faltam meios de assistência e proteção.                                           bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela des-

                                                                                                                         cansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a 

18. SinteƟ za o Papa Francisco: “estas situações provocam os gemidos da irmã                                             sua idenƟ dade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, 

terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento                                                  são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objecto de 

que reclama de nós outro rumo. Nunca maltratámos e ferimos a nossa casa                                                  pressões para que abandonem as suas terras e as deixem livres para projectos 

comum como nos úlƟ mos dois séculos (...) não dispomos ainda da cultura ne-                                              extracƟ vos e agro-pecuários que não prestam atenção à degradação da natu-

cessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que                                          reza e da cultura”25. 

tracem caminhos, procurando dar resposta às necessidades das gerações ac-

tuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se indispen-

sável criar um sistema  normaƟ vo  que  inclua limites  invioláveis  e assegure a 

protecção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do                                            

                                                                                                                        


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Tiago, que presidiu a uma comunidade onde se acrescentavam as diferenças                                                  também com a liberdade e a jusƟ ça”11.



sociais entre uma minoria escandalosamente rica e uma maioria pobre. Acaso 

 não somos todos irmãos?  “Vós, ricos chorai e gemei por causa das desgraças                                              19. Em resumo, o problema da terra não é um problema isolado ou restrito 

que sobre vós virão. As  vossas riquezas  estão podres e  as roupas  estão sen-                                          ao aspecto económico. É um assunto social, cultural e religioso. Não podemos 

do devoradas pelas traças. O ouro e a prata enferrujaram e a ferrugem dará                                               trabalhar pela paz  sem cuidar da natureza e da jusƟ ça social. Não podemos 

testemunho contra vós e vos roerá as carnes, como fogo. Entesourastes para                                                habituar-nos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam famílias, se 

os úlƟ mos dias. Eis que o salário dos trabalhadores, que vos colheram os cam-                                           afastam os camponeses e se abusa da natureza. Por isso, como dizia o Papa 

pos, foi reƟ do por vós! Ele grita e os gritos dos trabalhadores chegaram até os                                          Francisco no úlƟ mo encontro com os movimentos populares, é preciso colo-

ouvidos do Senhor dos exércitos. Vivestes no luxo sobre a terra, entregues-vos                                           carmos algumas tarefas imprescindíveis para uma alternaƟ va humana frente 

à devassidão, e engordastes o coração para o dia da matança. Condenastes,                                                à  globalização  da indiferença: 1º)  pôr  a  economia  ao  serviço  dos povos; 2º) 

assassinastes o justo e ele não vos resisƟ u” (Tg 5,1-6).                                                                construir a paz e a jusƟ ça; 3º) defender a Mãe Terra12.



                                                                                                                          III. A PALAVRA DE DEUS ILUMINA A TERRA

IV. A IGREJA CAMINHA NA TERRA - DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA



32. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Por isso, perante os                                              20. A Bíblia ensina que a mais anƟ ga promessa de Deus ao seu povo, através 

                                                                                                                         de Abraão, se resume desta forma: “À tua descendência darei esta terra”. Estas 

 problemas que surgem em torno à posse da terra, a Igreja não pode nem deve 

fi car à margem na luta pela jusƟ ça15. Desde sempre ela tem fi cado atenta a este                                          palavras ressoam no nosso coração: a terra não é nossa, é um presente, uma 

 problema lembrando quais são as exigências da solidariedade humana assim                                                 herança que recebemos e a melhor herança que deixaremos às próximas gera-

como as convicções da Igreja. Os Padres da Igreja (primeiros escritores cristãos)                                        ções. Alargando este senƟ do, a Bíblia lembra-nos que Deus fez o ser humano a 

eram claros nas suas pregações já em tempos imemoráveis.  “Não dás da tua                                                 parƟ r da terra, insufl ando nela o Seu Espírito de vida (Gn 2,7). É a parƟ cipação 

fortuna  - dizia Santo Ambrósio16 -  ao seres generoso para com o pobre, tu dás                                           no Espírito de Deus que nos faz “administradores” da terra com o direito e o 

daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a Ɵ  foi dado em comum                                           dever de dominá-la bem como toda a criação (Gn 1,28). Como o Papa Francis-

para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos”. Desde sem-                                          co explica na carta encíclica ‘Louvado sejas’, isto não pode ser compreendido 

 pre foi clara, na Igreja, a convicção de que Deus entregou os bens da terra para                                        como direito a submeter, explorar e devastar a terra, mas sim como a respon-

o beneİ cio de todos e não de uns poucos.                                                                                sabilidade de culƟ vá-la e cuidar. CulƟ var e cuidar da criação supõe uma relação 

                                                                                                                         de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza13.



33. O direito de propriedade (e a Igreja refere-se sempre, primeiro de tudo, 

ao direito da posse da terra17) nunca deve exercer-se em detrimento do bem                                                21.  E porque a terra  não  nos pertence mas  é  um presente de Deus, a terra 

comum. Por isso, em casos de confl ito entre os direitos privados e adquiridos                                             não pode ser vendida; é inalienável. “A terra não pode vender-se para sempre, 

e as exigências comunitárias primordiais, deve se resolver com a parƟ cipação                                            porque a terra é minha e vocês estão na minha terra como hóspedes e estran-

acƟ va das pessoas e dos grupos sociais18. Deus desƟ nou a terra com tudo o que                                          geiros” (Lev 25,23). Daí a lei do ano sabáƟ co e, mais tarde, do ano Jubilar. Estas 

ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados                                               leis (de seis em seis ou de 50 em 50 anos) falam de liberdade de propriedades, 

devem chegar equitaƟ vamente às mãos de todos, segundo a jusƟ ça, secundada                                               perdão de dívidas e descanso da terra e animais. 

 pela caridade19.                                                                                                         22. Porque um povo escravo liberto não pode produzir escravos (Dt 15,15), nes-



34. A tradição da Igreja sempre defendeu o direito à propriedade privada, de                                             ses anos os escravos eram deixados em liberdade e as terras, acumuladas em 

                                                                                                                          poucas mãos, compradas para saldar dívidas, eram devolvidas aos seus donos e 



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ria na qual se distribuía de novo a terra de maneira equitaƟ va entre pessoas                              27. Isaías, no Reino do Sul (Judá) observou também como os dirigentes do povo 

livres. O dom da libertação e da terra promeƟ da estão, portanto, inƟ mamente                              quebravam  a  aliança provocando  pobreza e  miséria  no  povo.  Após  cantar  o 

ligados a uma praxe que deve regular, na jusƟ ça e na solidariedade, o desenvol-                           canto da vinha do amigo, o profeta lança uma série de admoestações onde o 

vimento da sociedade israelita14, na qual nós, Povo de Deus, nos espelhamos.                               pecado do latifúndio aparece como o primeiro: “Ai daqueles que ajuntam casa  a


                                                                                                         a casa e aproximam campo a campo, até que não haja mais lugar e habitem 

23. A usurpação e o atropelo à dignidade humana assim como a indiferença                                   sozinhos no meio do país” (Is 5,8).

perante situações de injusƟ ça não são um fenómeno novo. Desde os tempos 

do início da monarquia em Israel, os reis, através do sistema das taxas, foram                             28. O profeta Miquéias era camponês. Denunciou com duro realismo a usur-

apropriando-se de todas as terras dos camponeses e podiam dar e receber ter-                               pação de terras que estavam realizando os novos-ricos: “Ai dos que planeiam 

ras como um presente ou nas negociações com outros reis e/ou guerras (2 Sam                                iniquidade e tramam o mal nos seus leitos! Ao amanhecer  praƟ cam o mal, por-

24,24; 1 Rs 16,24). Esta nova visão mais mercanƟ lista da terra, chocava com a                             que isto está em seu poder. Cobiçam os campos e roubam-nos, cobiçam casas 

consciência da terra ser um dom de Deus que deviam conservar para sempre.                                  e  tomam-nas; oprimem o homem e a sua casa, o dono e a sua herança” (Mq 

                                                                                                           2,1). Os profetas associam e idenƟ fi cam a usurpação de terras e o acumular de 

24. Já anteriormente a história de José deixa perceber o que acontecia no Egip-                            riquezas em poucas mãos com a idolatria e a ruptura da aliança: deixaram de 

to durante um período de fome (Gn 47,13-22). Primeiramente José vende co-                                  ser o Seu povo, o Povo de Deus. 

mida por dinheiro. Depois,  comida  por  gado  e fi nalmente  comida por  terra. 

Assim, “José comprou para o Faraó toda a terra do Egipto, pois os egípcios ven-                            29. Ainda que no tempo de Jesus, a PalesƟ na esƟ vesse sob a dominação roma-

diam os seus campos, obrigados pela fome” (Gn 47,20).                                                      na, o tema da terra não aparece como primeira preocupação nos evangelhos. 

                                                                                                           Jesus fala e denuncia a relação da cobiça frente às coisas e o perigo das rique-

25.  Os  profetas  bíblicos  destacaram-se  por  serem  a  consciência  de  Deus  no                       zas. Assim, quando alguém vem a Ele para solicitar a sua intervenção junto do 

meio do povo e denunciar, em nome de Deus, os abusos de poder. O profeta                                   irmão para que este parƟ lhe a herança, Jesus não entra em questões pontuais, 

Elias denuncia o rei Acab quando este aceita matar o camponês Nabot para                                   mas apresenta aquela parábola do rico insensato: “E disse-lhes: Acautelai-vos 

arrebatar-lhe a terra (1 Rs 21). A resposta de Nabot ao rei quando este lhe soli-                          e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer pessoa não consiste na 

cita a venda da sua terra:  “Pelo Senhor! Seria um sacrilégio ceder-te a herança                           abundância do que possui. E propôs-lhe uma parábola, dizendo: A terra de um 

dos meus pais” (1 Rs 21,3), pode trazer-nos à memória o sofrimento de tantos                               homem rico Ɵ nha produzido com abundância; E ele pensava consigo mesmo, 

irmãos a quem é Ɵ rada indiscriminadamente a terra.                                                        dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: 



26.  O  profeta  Amós  viveu  sob  o  reinado  de  Jeroboão  II,  no  Reino  de  Israel.                   Derrubarei os meus celeiros, e edifi carei outros maiores, e ali recolherei todos 

Tempo próspero economicamente para alguns sectores, mas funesto para os                                    os meus produtos e os meus bens; E direi à minha alma: Alma, tens em depó-

pobres  e, por conseguinte, para  a  fé  em Deus: os  mais poderosos  apropria-                            sito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus  

vam-se das terras dos pobres; crescia o poder económico, por causa da usu-                                 disse-lhe: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para 

ra e a corrupção administraƟ vo-judicial; os pequenos proprietários acabavam                               quem será? Assim é aquele que para si junta tesouros, e não é rico para com 

converƟ dos em assalariados na sua própria terra e mesmo escravos (Am 2,6).                                Deus” (Lc 12,13-21).



Nesse ambiente, Amós, em nome de Deus, junto aos camponeses, denunciou                                     30. A pregação de Jesus, centrada no reino de Deus, vai dirigida à conversão 

duramente o lucro dos comerciantes, que construiam “casas de pedra talhada                                 teológica, não só moral, convidando a deixar de adorar os ídolos da riqueza, 

(Am 5,11),  recobertas  de  marfi m e  silhões  com almofadas  de  Damasco  (Am                             tanto material como espiritual, que divide a sociedade em ricos e pobres, bons 

3,12; 6,4); as suas mesas estão cheias de excelentes vinhos e deliciosos per-                              e maus, para adorar o Pai de todos que nos faz irmãos e fi lhos livres, em Jesus. 

fumes (Am 4,1; 6,6). E o pior, declara Amós, é que vivem assim sem fi carem                                 De facto, a experiência da primeira comunidade cristã era a parƟ lha dos bens: 

minimamente preocupados com a ruína do povo (Am 6,6). Pelo contrário: eles                                 vendiam suas propriedades e bens, e reparƟ am com todos, segundo a necessi-

são a causa da miséria do povo.                                                                            dade de cada um (Act 2,45; 4,34).