II Feira - IV Semana – Tempo Comum – Anos Pares
29 Janeiro 2018
Primeira leitura: 2 Samuel 15, 13-14.30; 16, 5-13a
David sente-se
responsável pela indisciplina e pela ambição dos seus filhos. A conjura de
Absalão é um dos dramáticos episódios que acompanham o declínio do reino de
David. O rei foge. Essa fuga, mais que uma retirada estratégica, parece uma
tentativa de evitar o confronto directo com o filho. David sofre com paciência
e humildade exemplares. A sua fuga é, sobretudo, uma caminhada penitencial, uma
humilde aceitação do castigo divino. Para trás, fica Jerusalém, a cidade
heroicamente conquistada, a capital das tribos, cheia de tantas recordações
felizes. As lágrimas de David, ao subir o Monte das Oliveiras, evocam já as
lágrimas de Jesus (Lc 19, 41-44).
O episódio da maldição de Chimei acentua a sensação de irreparabilidade da derrota, atribuída à vontade de Deus. Chimei pertencia à família de Saul (v. 5), que era um permanente perigo para David, devido à ameaça de secessão do Reino do norte. David tinha usurpado o reino de Saul; agora Absalão podia fazer o mesmo. David teme ter sido abandonado por Deus, como fora Saul (v. 11). Por isso, recusa ajuda para matar Chimei, e aceita a afronta como provação. David tem consciência dos seus próprios crimes, e espera que o sofrimento actual possa trazer-lhe bens no futuro (v. 12). David parece concentrar na sua pessoa toda a fé do povo eleito, provado por Deus e acostumado ao sofrimento e à humilhação.
Os últimos anos
de David são marcados pelo drama da guerra civil provocada pelo seu próprio
filho e por vários episódios que o fazem sofrer. Hoje, a primeira leitura
mostra-o a ser injuriado pelo assassínio de Saul que, na verdade, não matou.
Abisai pede autorização para matar Chemei, o parente de Saul que proferia a
calúnia e as maldições. Mas David opõe-se: «Se o Senhor lhe ordenou que
amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: ‘Porque fazes isto?’» (2 Sam 16,
10). O rei sabia que não tinha matado Saul. Mas também sabia que tinha matado
Urias. Aceitava, por isso, o castigo anunciado por Natan. E confiava em Deus:
«Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca
destes ultrajes» (v. 12). Também nós, quando nos sentimos injustamente
acusados, havemos de aceitar a afronta para nos penitenciarmos de tantas faltas
cometidas e de quem ninguém nos acusa, renovar a nossa confiança em Deus e até
dar-lhe graças porque os nossos adversários, felizmente, não sabem tudo sobre
nós.
Evangelho: Mc 5, 1-20
Escutamos,
hoje, um relato popular, de estilo burlesco, com que as primeiras comunidades
cristãs acentuavam o poder benéfico do «kerygma» de Jesus. O episódio passa-se
a oriente do lago de Tiberíades, em terra pagã, como se vê pela existência da
vara de porcos, animais considerados impuros em Israel. É o caso do epiléptico,
que não podia ser controlado pelos seus conterrâneos e, por isso, vivia no
campo ou, pior ainda «entre os túmulos». A situação é grave e mesmo dramática.
Ouvem-se os urros dos demónios, que reconhecem Jesus, proclamam a sua divindade
e suplicam que não os expulse. Jesus mantém-se imperturbável: pergunta-lhes o
nome, e concede-lhes refugiar-se nos porcos. A precipitação da vara no lago,
sugere o seu regresso a Satanás, rei dos abismos. Os presentes continuam
dominados pelo temor e pedem a Jesus que se afaste.
O anúncio do Evangelho deve ser preparado e exige a mediação da testemunha, do apóstolo. Ao contrário do silêncio que, em Marcos, Jesus geralmente impõe aos miraculados, aqui manda ao possesso libertado que vá levar a notícia aos seus. O homem não se contenta com isso e apregoa na Decápole a obra que Jesus nele realizou.
O drama de
David, amaldiçoado e apedrejado, que o servo pretende vingar cortando a cabeça
a Chimei, aproxima-se do drama do endemoninhado de Gerasa, que vagueia entre
sepulcros, quebrando correntes e grilhões, somando violências. Mas não é
juntando violência à violência que o homem é libertado. David espera a
libertação através da purificação do sofrimento. O geraseno alcança-o por uma
intervenção gratuita de Jesus. Ninguém pediu esse milagre. O possesso nem tinha
voz para falar. Era a legião dos demónios que gritava nele pedindo o
afastamento de Jesus.
Espanta-nos a passividade dos que observam a cena. Essa passividade torna-se, depois, hostilidade. Um estrangeiro, Jesus, vem perturbar a ordem estabelecida, devolvendo à sociedade um homem considerado excluído e remetendo para os abismos da impureza, animais criados com todo o cuidado. Os gerasenos ficaram assustados com tais gestos revolucionários, e pediram a Jesus «que se retirasse do seu território» (Mc 5, 17). É difícil conviver com a liberdade.
Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, acautela os cristãos para o perigo de indevidas “reduções”, isto é, de se interessarem apenas pela miséria material, “sacrificando toda a preocupação espiritual e religiosa a iniciativas de ordem política e social” (n. 32).
A libertação
evangélica “deve mirar ao homem todo, em todas as suas dimensões, incluindo a
sua abertura para o Absoluto… que é Deus” (n. 33). Libertação também mental e
psicológica da ignorância, do fatalismo, da apatia. De facto, na medida em que
cada um não conhece e não usa a sua vontade, torna-se vítima de toda a espécie
de injustiça.
Os cristãos devem ser radicais, autênticos revolucionários, se quiserem ser verdadeiros. A sua revolução exclui a violência, mas não os meios enérgicos; é criativa e construtiva. Todos os homens têm direito à liberdade e, portanto, à justiça. “Pela fé, na fidelidade ao magistério da Igreja, relacionamos tais aspirações com a vinda do Reino, por Deus prometido e realizado em seu Filho” (n. 37). A Glória de Deus é o homem vivo. Como pode considerar-se vivo um homem sem liberdade?
Senhor, dá-me a
docilidade e a paciência de David, que se afasta sem combater, deixando que se
cumpra a vontade de Deus. Quantas vezes, quis cortar cabeças, à maneira de
Abisaí. Quantas vezes quis rebentar as correntes e grilhões que não me deixam
ser livre. Mas a violência gera violência. Que eu saiba aceitar tudo,
reconhecendo os meus pecados, e deixando-me purificar. Que eu saiba acolher as
tuas intervenções maravilhosas, mesmo quando forem surpresas para mim. Que,
iluminado pela fé, receba tudo das tuas mãos. E, então, experimentarei a paz,
como uma criança nos braços do seu pai.
Fonte: Resumo e adaptação local de um texto de "dehonianos.org/portal/liturgia"
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