domingo, 14 de janeiro de 2018

02º Domingo do Tempo Comum – Ano B



02º Domingo do Tempo Comum – Ano B
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A liturgia do 2º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a disponibilidade para acolher os desafios de Deus e para seguir Jesus.

A primeira leitura (1 Sam 3, 3b-10.19) apresenta-nos a história do chamamento de Samuel. O autor desta reflexão deixa claro que o chamamento é sempre uma iniciativa de Deus, o qual vem ao encontro do homem e chama-o pelo nome. Ao homem é pedido que se coloque numa atitude de total disponibilidade para escutar a voz e os desafios de Deus.
Antes de mais, o profeta deve ter plena consciência de que na origem da sua vocação está Deus e que a sua missão só se entende e só se realiza em referência a Deus. Um profeta não se torna profeta para realizar sonhos pessoais, ou porque entende ter as “qualidades profissionais” requeridas para o cargo e faz uma opção profissional pela profecia… O profeta torna-se profeta porque um dia escutou Deus a chamá-lo pelo nome e a confiar-lhe uma missão. Todos nós, chamados por Deus a uma missão no mundo, não podemos esquecer isto: a nossa missão vem de Deus e tem de se desenvolver em referência a Deus; não nos anunciamos a nós próprios, mas anunciamos e testemunhamos Deus e os seus projectos no meio dos nossos irmãos.
Quando corremos de um lado para o outro, afadigados em mil e uma actividades, preocupados em realizar com eficiência as tarefas que nos foram confiadas, dificilmente temos espaço e disponibilidade para ouvir a voz de Deus e para detectar esses sinais discretos através dos quais Ele nos indica os seus caminhos. O profeta necessita de tempo e de espaço para rezar, para falar com Deus, para interrogar o seu coração sobre o sentido do que está a fazer, para ouvir esse Deus que fala nas “pequenas coisas” a que nem sempre damos importância.
São muitas as “vozes” que ouvimos todos os dias, vendendo propostas de vida e de felicidade. Muitas vezes, essas “vozes” confundem-nos, alienam-nos e conduzem-nos por caminhos onde a felicidade não está. Como identificar a voz de Deus no meio das vozes que dia a dia escutamos e que nos sugerem uma colorida multiplicidade de caminhos e de propostas? Samuel não identificou a voz de Deus sozinho, mas recorreu à ajuda do sacerdote Heli… Na verdade, aqueles que partilham connosco a mesma fé e que percorrem o mesmo caminho podem ajudar-nos a identificar a voz de Deus. A nossa comunidade cristã, a nossa comunidade religiosa, desafia-nos, interpela-nos, questiona-nos, ajuda-nos a purificar as nossas opções e a perceber os caminhos que Deus nos propõe.
Depois de identificar essa “voz” misteriosa que se lhe dirigia, Samuel respondeu: “fala, Senhor; o teu servo escuta”. É a expressão de uma total disponibilidade, abertura e entrega face aos desafios e aos apelos de Deus. É evidente que, na figura de Samuel, o catequista bíblico propõe a atitude paradigmática que devem assumir todos aqueles a quem Deus chama. Como é que me situo face aos apelos e aos desafios de Deus? Com uma obstinada recusa, com um “sim” reticente, ou com total disponibilidade e entrega?
Na segunda leitura, (1 Cor 6,13c-15a.17-20) Paulo convida os cristãos de Corinto a viverem de forma coerente com o chamamento que Deus lhes fez. No crente que vive em comunhão com Cristo deve manifestar-se sempre a vida nova de Deus. Aplicado ao domínio da vivência da sexualidade – um dos campos onde as falhas dos cristãos de Corinto eram mais notórias – isto significa que certas atitudes e hábitos desordenados devem ser totalmente banidos da vida do cristão.
A questão essencial que Paulo nos coloca é a seguinte: Deus chama-nos a acolher a vida nova que Ele nos oferece e a dar testemunho dela em cada instante da nossa existência. A Palavra de Deus que nos é proposta convida-nos, antes de mais, a tomar consciência desse chamamento e a aceitar “embarcar” nessa viagem que Deus nos propõe e que nos conduz ao encontro da verdadeira liberdade e da verdadeira realização.
Acolher o chamamento de Deus significa assumir, em todos os momentos e circunstâncias, comportamentos coerentes com a nossa opção por Cristo e pelo Evangelho. Nada do que é egoísmo, exploração do outro, abuso dos direitos e dignidade do outro, procura desordenada do bem próprio à custa do outro, pode fazer parte da vida do cristão. O cristão é alguém que se comprometeu a ser um sinal vivo de Deus e a testemunhar diante do mundo – com palavras e com gestos – essa vida de amor, de serviço, de doação, de entrega que Deus, em Jesus, nos propôs. Membro do “corpo” de Cristo, o cristão é “corpo” no qual se manifesta a proposta do próprio Cristo para os homens e mulheres do nosso tempo. Isto obriga-nos a nós, os crentes, a comportamentos coerentes com o nosso compromisso baptismal.
A propósito, Paulo coloca o problema da vivência da sexualidade… Essa importante dimensão da nossa realização como pessoas não pode concretizar-se em acções egoístas, que nos escravizam a nós e que instrumentalizam os outros; mas tem de concretizar-se num quadro de amor verdadeiro, de relação, de entrega mútua, de compromisso, de respeito absoluto pelo outro e pela sua dignidade. Neste campo surgem, com alguma frequência, denúncias de comportamentos e atitudes, dentro e fora da Igreja, que afectam e magoam vítimas inocentes do egoísmo dos homens. Esses factos, se têm de ser enquadrados no contexto da fragilidade que marca a nossa humanidade, demonstram também a necessidade de uma contínua conversão a Cristo e aos seus valores. Para o cristão, tudo o que signifique explorar os irmãos ou desrespeitar a sua dignidade e integridade é um comportamento proibido.
É importante, para os crentes, ter consciência de que liberdade não é um valor absoluto. A liberdade cristã não pode traduzir-se em comportamentos e opções que subvertam os valores do Evangelho e que neguem a nossa opção fundamental por Cristo. Uma certa mentalidade actual considera que só nos realizaremos plenamente se pudermos fazer tudo o que nos apetecer… Contudo, o cristão tem de ter consciência de que “nem tudo lhe convém”. Aliás, certas opções contrárias aos valores do Evangelho não conduzem à liberdade, mas à dependência e à escravidão.
Qual é o verdadeiro “culto” que Deus pede? Como é que traduzimos, em gestos concretos, a nossa adesão a Deus? Paulo sugere que o verdadeiro culto, o culto que Deus espera, é uma vida coerente com os compromissos que assumimos com Ele, traduzida em gestos concretos de amor, de entrega, de doação, de respeito pelo outro e pela sua dignidade.

O Evangelho (Jo 1,35-42) descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos. Quem é “discípulo” de Jesus? Quem pode integrar a comunidade de Jesus? Na perspectiva de João, o discípulo é aquele que é capaz de reconhecer no Cristo que passa o Messias libertador, que está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e da entrega, que aceita o convite de Jesus para entrar na sua casa e para viver em comunhão com Ele, que é capaz de testemunhar Jesus e de anunciá-l’O aos outros irmãos.
O  que é ser cristão… A identidade cristã não está na simples pertença jurídica a uma instituição chamada “Igreja”, nem na recepção de determinados sacramentos, nem na militância em certos movimentos eclesiais, nem na observância de certas regras de comportamento dito “cristão”… O cristão é, simplesmente, aquele que acolheu o chamamento de Deus para seguir Jesus Cristo.
O que é, em concreto, seguir Jesus? É ver n’Ele o Messias libertador com uma proposta de vida verdadeira e eterna, aceitar tornar-se seu discípulo, segui-l’O no caminho do amor, da entrega, da doação da vida, aceitar o desafio de entrar na sua casa e de viver em comunhão com Ele.
0 nosso texto sugere também que essa adesão só pode ser radical e absoluta, sem meias tintas nem hesitações. Os dois primeiros discípulos não discutiram o “ordenado” que iam ganhar, se a aventura tinha futuro ou se estava condenada ao fracasso, se o abandono de um mestre para seguir outro representava uma promoção ou uma despromoção, se o que deixavam para trás era importante ou não era importante; simplesmente “seguiram Jesus”, sem garantias, sem condições, sem explicações supérfluas, sem “seguros de vida”, sem se preocuparem em salvaguardar o futuro se a aventura não desse certo. A aventura da vocação é sempre um salto, decidido e sereno, para os braços de Deus.
A história da vocação de André e do outro discípulo (despertos por João Baptista para a presença do Messias) mostra, ainda, a importância do papel dos irmãos da nossa comunidade na nossa própria descoberta de Jesus. A comunidade ajuda-nos a tomar consciência desse Jesus que passa e aponta-nos o caminho do seguimento. Os desafios de Deus ecoam, tantas vezes, na nossa vida através dos irmãos que nos rodeiam, das suas indicações, da partilha que eles fazem connosco e que dispõe o nosso coração para reconhecer Jesus e para O seguir. É na escuta dos nossos irmãos que encontramos, tantas vezes, as propostas que o próprio Deus nos apresenta.
O encontro com Jesus nunca é um caminho fechado, pessoal e sem consequências comunitárias… Mas é um caminho que tem de me levar ao encontro dos irmãos e que deve tornar-se, em qualquer tempo e em qualquer circunstância, anúncio e testemunho. Quem experimenta a vida e a liberdade que Cristo oferece, não pode calar essa descoberta; mas deve sentir a necessidade de a partilhar com os outros, a fim de que também eles possam encontrar o verdadeiro sentido para a sua existência. “Encontrámos o Messias” deve ser o anúncio jubiloso de quem fez uma verdadeira experiência de vida nova e verdadeira e anseia por levar os irmãos a uma descoberta semelhante.

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