Primeira leitura: Daniel 9, 4b-10
A
oração de Daniel, colocada no capítulo 9, explica um oráculo de Jeremias sobre
a duração do exílio em Babilónia e sobre a restauração de Jerusalém (cf. Jer
25, 11ss; 29, 10). De acordo com alguns exegetas, os 70 anos preditos por Jeremias
devem interpretar-se como 70 semanas de anos, isto é, 490 anos. Trata-se de uma
longa Quaresma entre o começo do exílio e a restauração e consagração do
templo, em Jerusalém (164 a.c.),
Daniel
volta-se para Deus relendo a história à luz da tradição deuteronomista: à
infidelidade do povo segue o castigo. Mas, até quando terá Deus que castigar o
seu povo? Só Ele sabe. Por isso é que o profeta faz a pergunta a Deus (v. 3).
Por seu lado, Daniel limita-se a reconhecer que o castigo é merecido.
Mas
a confissão e o arrependimento do profeta não o levam ao desesperar, mas a
esperar confiadamente o perdão divino (v. 9). Com efeito, o Deus de Israel é
fiel e benevolente, lento para a ira e rico de misericórdia.
Evangelho: Lucas 6, 36-38
Lucas,
depois de anotar a proclamação das Bem-aventuranças, anota o mandamento do amor
universal e da misericórdia. Redige como que um pequeno poema didáctico com três
estrofes. Enunciação do mandamento (vv. 27-31), as suas motivações (vv. 32-35)
e a sua prática (vv. 36-38). Verificamos uma clara analogia com o «Sermão da
Montanha» de Mateus. Mas Lucas tem uma particularidade. Fala da imitação do Pai
em termos de "misericórdia", enquanto Mateus fala de
"perfeição".
Como
praticar esta misericórdia. É o que nos indicam os versículos que hoje
escutamos.
Quando
nos arrependemos dos nossos pecados, nos dispomos a arrepiar caminho, e nos
abrimos ao amor misericordioso do Pai, o seu perdão é mesmo "perdão:",
um dom superabundante: «uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será
lançada no vosso regaço (Lc 6, 38). Por isso, também nos convém ser generosos
no perdão aos nossos irmãos.
Depois
da enorme catástrofe que culminou no exílio em Babilónia, o povo de Israel caiu
em si e deu-se conta do seu pecado. Então, dirigiu-se ao Senhor, confessando,
confuso e humilhado, as suas culpas e implorando misericórdia: «Sim, Ó SENHOR,
para nós a vergonha, ... porque pecámos contra ti. No Senhor, nosso Deus, a
misericórdia e o perdão, pois nos revoltámos contra Ele (!» (cf. vv. 8-9).
A
humildade e a confiança em Deus permitem-nos receber a sua graça e compreender
a imensidão do seu amor por nós. Foi essa humildade e confiança que levou S.
Paulo a exclamar: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos
pecadores é que Cristo morreu por nós (Rm 5,8). O perdão recebido centuplica o
amor, como vemos em Santo Agostinho e em tantos outros santos. A experiência do
amor misericordioso de Deus suscita um forte desejo de correspondência.
Quantas
vezes também nós caímos na conta de termos pecado e ofendido a Deus! Quantas
vezes experimentamos as situações de morte e de ódio, que dominam o nosso
mundo! Corremos o risco de perder a confiança e a esperança. Por isso,
precisamos de purificar o nosso olhar com o arrependimento sincero e a oração.
Então, dar-nos-emos conta da misteriosa e paradoxal transcendência de Deus, tão
grande e tão próximo de nós, sempre benévolo e paciente. Mas também nos daremos
conta da verdade acerca de nós mesmos e dos outros, e os nossos juízos de
condenação transformar-se-ão em pedidos de perdão para todos, porque todos
somos corresponsáveis pelo mal que nos rodeia. Veremos a nossa vida e a vida do
mundo com outros olhos. Dar-nos-emos conta dos sinais da presença de Deus, das
sementes de bem, escondidas mas reais. Na fé e na paciência, aguardaremos que
cresçam e deem frutos.
«Deus
demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo
morreu por nós (Rm 5, 8). Este pensamento leva-nos a aceitar-nos a nós mesmos e
a nossa história, qualquer que tenha sido. Sentimo-nos felizes por sermos quem
somos, pela nossa história pessoal. Deus amou-nos quando "éramos (Seus)
inimigos!' (Rm 5, 10). Quanta gratidão havemos de sentir por Deus-Pai e por Cristo!
Aceitar-nos a nós mesmos, e à nossa história, é caminho para também aceitarmos
os outros, com a sua história.
Já
S. Tomás de Aquino escrevia que não podemos entrar em relação de amizade com os
outros, se não estivermos em relação de amizade connosco mesmos.
Não
podemos aceitar os outros se não nos aceitamos a nós mesmos. Se estamos
descontentes e em conflito connosco mesmos, tristes e desanimados, também o
estaremos com os outros. Cada um dá o que tem. Damos amor, paz e alegria, se
tivermos amor, paz e alegria. Damos amargura e conflito, se estivermos na
amargura e em conflito.
A
alegria de ser amados é o fundamento da nossa dignidade de pessoas humanas, de
filhos de Deus, é fonte da aceitação e da confiança em nós mesmos. É a
libertação de toda a tristeza e medo. Faz-nos aceitar os outros com uma justa
confiança neles.
Fonte: adaptação de um texto em “dehonianos.org/portal/liturgia/”
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