quarta-feira, 21 de abril de 2021
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 58º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES [25 de Abril de 2021 - IV Domingo da Páscoa]
«São José: o sonho da vocação»
Queridos irmãos e irmãs!
No dia 8 de Dezembro
passado, teve início o Ano especial dedicado a São José, por ocasião do 150º
aniversário da declaração dele como Padroeiro da Igreja universal (cf. Decreto da Penitenciaria Apostólica, 8 de
Dezembro de 2020). Da parte minha, escrevi a carta apostólica Patris corde, com o objetivo de «aumentar
o amor por este grande Santo» (concl.). Trata-se realmente duma figura
extraordinária e, ao mesmo tempo, «tão próxima da condição humana de cada um de
nós» (introd.). São José não sobressaía, não estava dotado de particulares
carismas, não se apresentava especial aos olhos de quem se cruzava com ele. Não
era famoso, nem se fazia notar: dele, os Evangelhos não transcrevem uma palavra
sequer. Contudo, através da sua vida normal, realizou algo de extraordinário
aos olhos de Deus.
Deus vê o coração
(cf. 1 Sam 16, 7) e, em São José, reconheceu um coração de
pai, capaz de dar e gerar vida no dia a dia. É isto mesmo que as vocações
tendem a fazer: gerar e regenerar vidas todos os dias. O Senhor deseja moldar
corações de pais, corações de mães: corações abertos, capazes de grandes
ímpetos, generosos na doação, compassivos para consolar as angústias e firmes
para fortalecer as esperanças. Disto mesmo têm necessidade o sacerdócio e a
vida consagrada, particularmente nos dias de hoje, nestes tempos marcados por
fragilidades e tribulações devidas também à pandemia que tem suscitado
incertezas e medos sobre o futuro e o próprio sentido da vida. São José vem em
nossa ajuda com a sua mansidão, como Santo ao pé da porta; simultaneamente
pode, com o seu forte testemunho, guiar-nos no caminho.
A vida de São José
sugere-nos três palavras-chave para a vocação de cada um. A
primeira é sonho. Todos sonham realizar-se na vida. E é justo
nutrir aspirações grandes, expectativas altas, que objetivos efémeros como o
sucesso, a riqueza e a diversão não conseguem satisfazer. Realmente, se
pedíssemos às pessoas para traduzirem numa só palavra o sonho da sua vida, não
seria difícil imaginar a resposta: «amor». É o amor que dá sentido à vida,
porque revela o seu mistério. Pois só se tem a vida que
se dá, só se possui de verdade a vida que se doa plenamente. A este
propósito, muito nos tem a dizer São José, pois, através dos sonhos que Deus
lhe inspirou, fez da sua existência um dom.
Os Evangelhos
falam de quatro sonhos (cf. Mt 1, 20; 2, 13.19.22). Apesar de
serem chamadas divinas, não eram fáceis de acolher. Depois de cada um dos
sonhos, José teve de alterar os seus planos e entrar em jogo para executar os
misteriosos projetos de Deus, sacrificando os próprios. Confiou plenamente.
Podemos perguntar-nos: «Que era um sonho noturno, para o seguir com tanta
confiança?» Por mais atenção que se lhe pudesse prestar na antiguidade, valia
sempre muito pouco quando comparado com a realidade concreta da vida. Todavia
São José deixou-se guiar decididamente pelos sonhos. Porquê? Porque o seu
coração estava orientado para Deus, estava já predisposto para Ele. Para o seu
vigilante «ouvido interior» era suficiente um pequeno sinal para reconhecer a
voz divina. O mesmo se passa com a nossa vocação: Deus não gosta de Se revelar
de forma espetacular, forçando a nossa liberdade. Transmite-nos os seus
projetos com mansidão; não nos ofusca com visões esplendorosas, mas dirige-Se
delicadamente à nossa interioridade, entrando no nosso íntimo e falando-nos
através dos nossos pensamentos e sentimentos. E assim nos propõe, como fez com
São José, metas elevadas e surpreendentes.
Na realidade, os
sonhos introduziram José em aventuras que nunca teria imaginado. O primeiro
perturbou o seu noivado, mas tornou-o pai do Messias; o segundo fê-lo fugir
para o Egito, mas salvou a vida da sua família. Depois do terceiro, que
ordenava o regresso à pátria, vem o quarto que o levou a mudar os planos, fazendo-o
seguir para Nazaré, onde precisamente Jesus havia de começar o anúncio do Reino
de Deus. Por conseguinte, em todos estes transtornos, revelou-se vitoriosa a
coragem de seguir a vontade de Deus. Assim acontece na vocação: a chamada
divina impele sempre a sair, a dar-se, a ir mais além. Não há fé sem risco. Só
abandonando-se confiadamente à graça, deixando de lado os próprios programas e
comodidades, é que se diz verdadeiramente «sim» a Deus. E cada «sim» produz
fruto, porque adere a um desígnio maior, do qual entrevemos apenas alguns
detalhes, mas que o Artista divino conhece e desenvolve para fazer de cada vida
uma obra-prima. Neste sentido, São José constitui um ícone exemplar do
acolhimento dos projetos de Deus. Trata-se, porém, de um acolhimento ativo,
nunca de abdicação nem capitulação; ele «não é um homem resignado passivamente.
O seu protagonismo é corajoso e forte» (Carta ap. Patris corde, 4). Que ele ajude a todos,
sobretudo aos jovens em discernimento, a realizar os sonhos que Deus tem para
cada um; inspire a corajosa intrepidez de dizer «sim» ao Senhor, que sempre
surpreende e nunca desilude!
Uma segunda palavra
marca o itinerário de São José e da vocação: serviço. Dos
Evangelhos, resulta como ele viveu em tudo para os outros e nunca para si
mesmo. O Povo santo de Deus chama-lhe castíssimo esposo,
desvendando assim a sua capacidade de amar sem nada reservar para si próprio.
Libertando o amor de qualquer posse, abriu-se realmente a um serviço ainda mais
fecundo: o seu cuidado amoroso atravessou as gerações, a sua custódia solícita
tornou-o patrono da Igreja. Ele que soube encarnar o sentido oblativo da vida,
é também patrono da boa-morte. Contudo o seu serviço e os seus sacrifícios só
foram possíveis, porque sustentados por um amor maior: «Toda a verdadeira
vocação nasce do dom de si mesmo, que é a maturação do simples sacrifício.
Mesmo no sacerdócio e na vida consagrada, requer-se este género de maturidade.
Quando uma vocação matrimonial, celibatária ou virginal não chega à maturação
do dom de si mesmo, detendo-se apenas na lógica do sacrifício, então, em vez de
significar a beleza e a alegria do amor, corre o risco de exprimir
infelicidade, tristeza e frustração» (Ibid., 7).
O serviço,
expressão concreta do dom de si mesmo, não foi para São José apenas um alto
ideal, mas tornou-se regra da vida diária. Empenhou-se para encontrar e adaptar
um alojamento onde Jesus pudesse nascer; prodigalizou-se para O defender da fúria
de Herodes, apressando-se a organizar a viagem para o Egito; voltou rapidamente
a Jerusalém à procura de Jesus que tinham perdido; sustentou a família
trabalhando, mesmo em terra estrangeira. Em resumo, adaptou-se às várias
circunstâncias com a atitude de quem não desanima se a vida não lhe corre como
queria: com a disponibilidade de quem vive para servir.
Com este espírito, José empreendeu as viagens numerosas e muitas vezes
imprevistas da vida: de Nazaré a Belém para o recenseamento, em seguida para Egito,
depois para Nazaré e, anualmente, a Jerusalém, sempre pronto a enfrentar novas
circunstâncias, sem se lamentar do que sucedia, mas disponível para dar uma mão
a fim de reajustar as situações. Pode-se dizer que foi a mão estendida do
Pai Celeste para o seu Filho na terra. Assim não pode deixar de ser modelo para
todas as vocações, que a isto mesmo são chamadas: ser as mãos operosas
do Pai em prol dos seus filhos e filhas.
Por isso gosto de
pensar em São José, guardião de Jesus e da Igreja, como guardião das
vocações. Com efeito, da própria disponibilidade em servir, deriva o
seu cuidado em guardar. «Levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe» (Mt 2,
14): refere o Evangelho, indicando a sua disponibilidade e dedicação à família.
Não perdeu tempo a cismar sobre o que estava errado, para não o subtrair a quem
lhe estava confiado. Este cuidado atento e solícito é o sinal duma vocação
realizada. É o testemunho duma vida tocada pelo amor de Deus. Que belo exemplo
de vida cristã oferecemos quando não seguimos obstinadamente as nossas ambições
nem nos deixamos paralisar pelas nossas nostalgias, mas cuidamos de quanto nos
confia o Senhor, por meio da Igreja! Então Deus derrama o seu Espírito, a sua
criatividade sobre nós; e realiza maravilhas, como em José.
Além da chamada de
Deus – que realiza os nossos sonhos maiores – e da nossa
resposta – que se concretiza no serviço pronto e no cuidado
carinhoso –, há um terceiro aspeto que atravessa a vida de São José e a vocação
cristã, cadenciando o seu dia a dia: a fidelidade. José é o «homem
justo» (Mt 1, 19) que, no trabalho silencioso de cada dia,
persevera na adesão a Deus e aos seus desígnios. Num momento particularmente
difícil, detém-se «a pensar» em tudo (cf. Mt 1, 20). Medita,
pondera: não se deixa dominar pela pressa, não cede à tentação de tomar
decisões precipitadas, não segue o instinto nem se cinge àquele instante. Tudo
repassa com paciência. Sabe que a existência se constrói apenas sobre uma
contínua adesão às grandes opções. Isto corresponde à laboriosidade calma e
constante com que desempenhou a profissão humilde de carpinteiro (cf. Mt 13,
55), pela qual inspirou, não as crónicas da época, mas a vida quotidiana de
cada pai, cada trabalhador, cada cristão ao longo dos séculos. Porque a
vocação, como a vida, só amadurece através da fidelidade de cada dia.
Como se alimenta
esta fidelidade? À luz da fidelidade de Deus. As primeiras palavras recebidas
em sonho por São José foram o convite a não ter medo, porque Deus é fiel às
suas promessas: «José, filho de David, não temas» (Mt 1, 20). Não
temas: são estas as palavras que o Senhor dirige também a ti, querida irmã,
e a ti, querido irmão, quando, por entre incertezas e hesitações, sentes como
inadiável o desejo de Lhe doar a vida. São as palavras que te repete quando no
lugar onde estás, talvez no meio de dificuldades e incompreensões, te esforças
por seguir diariamente a sua vontade. São as palavras que descobres quando, ao
longo do itinerário da chamada, retornas ao primeiro amor. São as palavras que,
como um refrão, acompanham quem diz sim a Deus com a vida como São José: na
fidelidade de cada dia.
Esta fidelidade é
o segredo da alegria. Como diz um hino litúrgico, na casa de Nazaré reinava
«uma alegria cristalina». Era a alegria diária e transparente da simplicidade,
a alegria que sente quem guarda o que conta: a proximidade fiel a Deus e ao
próximo. Como seria belo se a mesma atmosfera simples e radiosa, sóbria e
esperançosa, permeasse os nossos seminários, os nossos institutos religiosos,
as nossas residências paroquiais! É a alegria que vos desejo a vós, irmãos e
irmãs que generosamente fizestes de Deus o sonho da vida, para
O servir nos irmãos e irmãs que vos estão confiados, através
duma fidelidade que em si mesma já é testemunho, numa época
marcada por escolhas passageiras e emoções que desaparecem sem gerar a alegria.
São José, guardião das vocações, vos acompanhe com coração de pai!
Roma, São João de Latrão, 19
de Março de 2021, Solenidade de São José
Francisco
Fonte: www.vatican.va