QUARTA-FEIRA - V SEMANA - T C - ANOS ÍMPARES - 13 FEVEREIRO 2019
Primeira leitura: Génesis 2, 4b-9, 15-17
Havia alguma coisa, quando ainda não existia nada?
Esta pergunta não é tão ingénua como possa parecer. De facto, não podemos falar
das origens do mundo sem ser por paradoxos. O autor de Gn 2 responde assim: havia
a terra e o céu, mas não havia o homem para trabalhar a terra. Gn 2 esta
centrado na criação do homem, da mulher e dos animais, e não do cosmos, como Gn
1, onde o homem foi criado em vista do serviço litúrgico, do louvor sabático.
Gn 1 é um relato "sacerdotal". Em Gn 2, o
homem é tirado do pó humedecido, da terra, adamáh, «a avermelhada». Daí o seu
nome de Adão. Nascido da terra, para à terra voltar, o homem é destinado ao
trabalho agrícola, indispensável para a vida do mundo. É uma perspectiva aparentemente
mais «leiga».
Mas em hebraico "serviço litúrgico" e
«trabalho agrícola» expressam-se com o mesmo termo. Não são duas coisas opostas
e inconciliáveis. Para cultivar a terra, o homem é colocado «num jardim», ou
«paraíso» como também costumamos dizer.
No paraíso, o homem podia dispor de todos os frutos
das árvores, excepto do da árvore do «conhecimento do bem e do mal» (v. 17).
Porque terá Deus proibido ao homem distinguir o bem do mal? Os exegetas tentam
actualmente uma explicação: o bem e o mal são opostos. Com frequência, na
linguagem bíblica, usam-se opostos para indicar a totalidade. Assim, por
exemplo, «entrar e sair» significa viver. Conhecer o bem e o mal quereria
dizer, pouco mais ou menos, conhecer tudo o que é cognoscível.
Mas, conhecer tudo é uma prerrogativa divina e não
humana. O homem que aspira à omnisciência pretende ocupar o lugar que só a Deus
pertence. Daí que lhe seja proibido comer daquela árvore.
Evangelho: Marcos 7, 14-23
Jesus dirige-se agora ao povo simples e, num segundo
momento, apenas aos discípulos. Enfrenta questões legais delicadas para a
mentalidade dos judeus piedosos e observantes. Jesus difere dos profetas e dos
judeus de cultura helenista.
Não se pode distinguir a esfera religiosa, divina, e a
vida, como esfera quotidiana, que não pertence a Deus. As coisas do mundo não
são «impuras» em si mesmas. São os homens que as podem tornar impuras. A
comunidade de Jesus acredita na bondade da criação.
Podemos distinguir no texto três momentos: o
ensinamento de Jesus à multidão (vv. 14-16); a sentença de Jesus (v. 15); o
ensinamento aos discípulos (vv. 17-23); a verdadeira impureza, o coração, o
catálogo dos vícios.
Mas o mais importante é o comportamento dos homens
diante das exigências do reino de Deus. A pureza ou a impureza das coisas
depende do coração do homem. É a atitude do homem perante elas, é o uso que faz
delas que as pode tornar impuras. Não há nada sagrado ou profano, puro ou
impuro em si.
A criação é «secular»: pode ser profana e pode ser
sagrada. A sacralidade e a pureza vêm ao homem e ao mundo, não de modo
automático pelo contacto com determinadas coisas, lugares ou pessoas, mas
unicamente através do canal do diálogo entre Deus e o homem.
Mais uma vez, Jesus fala por enigmas: «Nada há fora do
homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é
que o torna impuro» (v. 15). Como qualquer enigma, também este não é de fácil
compreensão. Por isso é que Jesus começou por dizer: «Ouvi-me todos e procurai
entender» (v. 14).
Estas palavras podem ser entendidas em sentido físico.
Segundo a lei de Moisés, havia impurezas rituais concernentes aos alimentos e
ao comer sem ter lavado as mãos. No evangelho de hoje a discussão partiu
exactamente do facto dos Apóstolos comerem sem antes lavar as mãos.
Mas havia outras impurezas ligadas aos que «sai do
homem», tal como perdas de sangue e outras. A mulher do Evangelho, que tinha
perdas de sangue, escondia-se para não tocar outras pessoas e torná-las
impuras. Quem fosse tocado por ela, teria de lavar-se e aguardar algum tempo
antes de poder participar no culto.
O enigma de Jesus poderia ser entendido no sentido em
que Ele dava mais importância ao que sai do homem do que ao que ele come e
bebe. Mas não era essa a intenção de Jesus: Ele distinguia o exterior e o
interior no sentido do físico e do moral ou espiritual. Queria dizer que as
coisas materiais têm menos importância para a pureza religiosa. E isto era uma
verdadeira revolução religiosa, uma dessacralização.
É certo que, para Jesus, todas as coisas têm relação
com Deus e devem ser santificadas. Mas não devem ser sacralizadas, não se lhes
deve dar uma importância desproporcionada. O alimento, o lavar as mãos, têm
importância. Mas não devem ser entendidos como realidades sagradas. Uma coisa é
a higiene; outra é a pureza religiosa. Há relação entre a limpeza do corpo e o
respeito devido a Deus.
Mas não se pode considerá-los tão importantes, que
permitam esquecer outros aspectos bem mais importantes, e que não são tão
facilmente alcançáveis. Purificar o coração é mais difícil do que lavar as
mãos!
Jesus revela que a pureza religiosa não é exterior,
mas interior. É preciso purificar o coração, o nosso íntimo, o nosso «eu
profundo», onde realmente se dá o encontro com Deus, mais do que as mãos. Há
que purificar as intenções, os desejos, os actos da vontade e da inteligência,
pois é deles que nasce tudo o que é mau: «as prostituições, roubos,
assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja,
maledicência, orgulho, desvarios. Todas estas maldades saem de dentro e tornam
o homem impuro» (v. 21-23).
Fonte:
adaptação/resumo de um texto de F. Fonseca em “dehonianos.org/portal/liturgia”
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