terça-feira, 15 de abril de 2014

CARTA PASTORAL DE DOM FRANCISCO SOBRE A FORMAÇÃO DOS ANIMADORES


IV Carta Pastoral de D. Francisco

ESTAVA  A  ENSINAR  OS  SEUS  DISCÍPULOS” (Mc 9,31)
INTRODUÇÃO

A formação dos animadores da pastoral na Igreja foi sempre um assunto de capital importância na Igreja. Desde os tempos apostólicos até aos nossos dias de hoje a Igreja sempre dedicou particular cuidado na preparação dos agentes de Pastoral a todos os níveis; Bispos, Sacerdotes, Religiosas e Religiosos e Leigos empenhados directamente no apostolado.

Foi sempre um dos deveres constantes da Igreja que, através dos tempos, foi assumindo modos diferentes consoante os lugares, as culturas e as circunstâncias históricas do momento.

Deste modo, surgiram as mais diversas instituições e modos de responder a tão importante assunto na vida da Igreja. Nasceram os Seminários para a formação dos Padres, as Casas de Formação para as Religiosas e Religiosos, os Centros de Formação e os Catequistados para os leigos comprometidos na actividades pastorais.

Na nossa história particular, constamos que a Igreja na Zambézia desde a sua organização como Diocese de Quelimane (1940) e, posteriormente como Diocese de Gurúè (1963), desenvolveu a aprofundou uma série de iniciativas para responder a este desafio fundamental da FORMAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS DAS COMUNIDADES. Sã prova disso os Catequistados de Coalane e de Nauela, as Equipas de Formação que constantemente realizaram Cursos nas Regiões Pastorais e nas Paróquias. A este esforço extraordinário se deve a criação das pequenas comunidades, da restauração do Catecumenado, dos ministérios, a formação dos ministros a todos os níveis, elaboração dos novos Catecismos e demais subsídios para a Catequese e para a formação dos ministérios, a tradução da Bíblia, do Missal (Nsu na Apwiya) e do livro de Orações (Mavekelo).

Perante tão desafiante panorama, a VI Assembleia Diocesana escolheu a FORMAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS DAS COMUNIDADES A TODOS OS NÍVEIS como o objectivo principal para o Ano de 2014, terceiro ano do Triénio Pastoral (2012 – 2014).

Reafirmamos o interesse e o compromisso da nossa Diocese no campo da formação das comunidades e dos seus animadores, fiéis â tradição dos nossos antecessores na evangelização nesta parcela da Igreja.

 1.- Jesus formador de apóstolos

Desde os primeiros momentos da sua vida pública, Jesus preocupou-se pela preparação dos discípulos que, mais tarde enviaria a evangelizar, continuando assim a sua obra no mundo.

Em primeiro lugar constatamos que Ele teve a iniciativa de os chamar e escolher. O chamamento é de Jesus, vem de Deus e não da própria pessoa. Deus é quem chama:

“Jesus subiu ao monte e chamou os que desejava escolher. E foram ter com Ele”(Mc 3,13).

 “Não fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi. Eu destinei-vos para irdes e dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16).

Jesus começa por reuni os chamados, formar um grupo à parte para conviver com Ele, partilhar da sua vida, para eles virem de perto e conhecerem o Mestre, isto é, estabelecerem com Ele laços de amizade e de comunhão, pois não se trata de uma profissão ou de um emprego:

“Então Jesus constituiu o grupo dos Doze, para que ficassem com Ele e os enviar a pregar! (Mc3,14).

“Jesus vendo que O seguiam, perguntou: “Que procurais?”. Eles disseram: “Mestre, onde moras?”. Jesus respondeu: “Vinde e vede”. Então eles foram e viram onde Jesus morava. E começaram a viver com Ele naquele mesmo dia.(Jo 1,38-39).

“O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossa mãos apalparam… é o que vos anunciamos”( 1Jo 1,1).

Criadas as mínimas condições de um grupo permanente, motivado e disponível para seguí-Lo e escutar a sua palavra, Jesus começa a instruir os seus discípulos com ensinamentos apropriados para a missão que iriam receber:

“Quando estava sozinho com os discípulos, Ele explicava-lhes tudo” (Mc 4,34).

“Jesus não queria que ninguém soubesse onde Ele estava porque estava a ensinar os seus discípulos” (Mc 9, 30-31).

Ao mesmo tempo ensinou-lhes a orar com o exemplo e com a palavra:

“Logo depois de se despedir da multidão, subiu ao monte para rezar” (Mc 6,46).

“De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-Se e foi rezar num lugar deserto (Mc 1,35).

Jesus, quando os considerou minimamente preparados, enviou-os a evangelizar embora não fosse ainda o envio definitivo, o que aconteceria depois da sua morte e ressurreição. Os discípulos são enviados para continuarem a missão de Jesus: pedir a mudança de vida, libertar as pessoas de todo mal e restaurar a vida humana. Os discípulos devem estar livres, ter bom senso e estar conscientes das dificuldades que vão encontrar no seu serviço:

  “Jesus começou a percorrer as redondezas, ensinando nos povoados. Chamou os Doze discípulos, começou a enviá-los dois a dois” (Mc 6, 6-7).

“Eu, que sou o mestre e o Senhor, lavei-vos os pés; por isso vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo: Deveis fazer a mesma coisa que Eu fiz.” (Jo 13, 14-15).

Depois da Sua ressurreição, enviou-os por todo o mundo a continuar a Sua obra. Trata-se do mandato final e universal:

“Ide e fazei com que todos os povos se torne Meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, e do Filho e do espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei. Eis que Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 19-20).

2.- A formação dos responsáveis na Igreja primitiva

Os Apóstolos, fiéis ao que ouviram e viram no próprio Jesus, saíram de Jerusalém a cumprir o mandato que receberam de ir por todo o mundo e anunciar o Evangelho. Nesta grande tarefa era necessário preparar bem as pessoas que iriam colaborar para o desempenho da mesma. Por isso, desde o primeiro, consideraram prioritário a formação dos responsáveis que foram colocando em cada uma das primeiras comunidades que surgiram como fruto da evangelização.

São Paulo, no meio das suas viagens apostólicas e para consolidar as comunidades que fundou, dedicou especial cuidado na formação dos que iriam assumir o cuidado e a direcção das mesmas. Deixou-nos um grande testemunho deste trabalho de formador com o exemplo e com os seus escritos. Lembremos apenas o que ele escreve a Timóteo e a Tito, ensinamentos que devem orientar a formação dos nossos animadores hoje::

“Toma como modelo as palavras quer ouvistes de mim, com a fé e o amor que estão em Jesus Cristo. Guarda o bom depósito da fé com o auxílio do Espírito Santo que habita em nós” (2 Tim 1, 13-14). 

“ O que ouvistes de mim na presença de muitas testemunhas, transmite-o a homens de confiança que, por sua vez, estejam em grau de o ensinar aos outros” (2 Tim 2,2).

“Eu deixei-te em Creta para que cuidasses de organizar o que ainda restava pra fazer, e para que nomeasses m cada cidade os presbíteros das Igrejas, conforme as instruções eu te deixei: o candidato deve ser irrepreensível, esposo de uma só mulher,,,, não arrogante, nem beberrão ou violento, nem ávido de lucro desonesto…; deve ser hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, e de tal modo fiel à fé verdadeira, conforme ao ensinamento transmitido” (Tito 1,5-9).

“Quanto a ti, ensina o que é conforme à sã doutrina” (Tito 2,1).

3. A Igreja forma na fidelidade aos ensinamentos da Tradição: Os conteúdos fundamentais da formação.

Ao longo dos tempos, a Igreja formou os seus responsáveis segundo o exemplo e os ensinamentos recebidos da Tradição apostólica, enriquecidos pelo Magistério dos Papas e dos Bispos através dos Concílios, dos Sínodos, da reflexão teológica, dos acontecimentos históricos e dos contextos culturais.

Além da formação de todos os cristãos, a formação dos responsáveis pelos vários serviços e trabalhos das comunidades exige uma formação específica, que tenha em conta os fundamentos do trabalhador do Evangelho e os ministérios que ele vai assumir na própria comunidade.

·        A formação do apóstolo implica, em primeiro lugar, uma formação humana integral e adaptada às capacidades da pessoa e às condições do tempo presente e das nossas comunidades.

·        A formação deve ter o seu fundamento e, por isso, cultivar nos animadores, a fé em Cristo, a sua vivência cristã através dos conhecimentos das verdades da fé e do próprio testemunho de vida. Este conhecimento de Cristo adquire-se na prática da leitura, da reflexão e da oração pessoal e litúrgica. O Papa Francisco lembra-nos que “a primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais” (Papa Francisco, A Alegria do Evangelho, nº 264).

·        Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham, escreve o Papa Francisco, E acrescenta: “É preciso cultivar sempre um espaço interior que dé sentido cristão ao compromisso e à actividade. Sem este compromisso de vida as tarefas se esvaziam de significado” (Papa Francisco, A Alegria do Evangelho, nº 262).

·        Na formação dos animadores deve-se pôr na devida evidência o sentido de pertença à Igreja e o testemunho da fé com os outros irmãos, o o espírito de serviço a exemplo do Mestre que veio para servir e não para ser servido;

·        É necessária que a instrução seja doutrinal que compreenda a Sagrada Escritura, a teologia, a moral cristã, a liturgia, a Doutrina Social da Igreja, a pedagogia catequética, os elementos essências da psicologia e  própria cultura, a política e as ciências sociais.

·        A formação deve cuidar e desenvolver no animador as relações humanas, a convivência, colaboração e o diálogo, virtudes necessários a um líder comunitário, que deve estar atento a despertar e animar a colaboração dos membros da comunidade, Deve aprender a não trabalhar sozinho.

4. Caminhada na Igreja em Moçambique

Na caminhada iniciada com a I Assembleia Nacional de Pastoral (Beira 1977) deu-se especial relevo a Formação dos Responsáveis das comunidades como fundamental para ávida, organização e actividades das comunidades, paróquias e Diocese (I ANP nº 12).

Esta prioridade foi reafirmada nas duas Assembleias seguintes e considerada necessária, urgente e que deve continuar uma prioridade que merece um aprofundamento e desenvolvimento permanente e contextualizado. Deve ser uma exigência para todos e todos devemos colaborar (Bispos, Padres, religiosas e Religiosos, Leigos), ninguém pode sentir-se excluído ou à margem desta caminhada (II ANP, Nº 26; e III ANP, III, 8-24).

5. Na nossa Diocese: VI Assembleia Diocesana.

A nossa VI Assembleia Diocesana (Gurúè 2011) constatou-se que apesar de todo o esforço e dedicação e sacrifício dos anos passados e ainda recentes desde a I Assembleia Nacional de Pastoral (1977) até aos nossos dias, “não poucas são as realidades que mancham a caminhada na Igreja ministerial, tais como: prestígio e poder, o provisório visto como definitivo, a diminuição da confiança e da responsabilidade, inveja, medo e grupismo” (VI Assembleia Diocesana, 2011, Conclusões III,4).

A Assembleia considerou três pilares fundamentais para a Formação, a saber: a Oração, a Palavra e o Serviço. Sem eles é impossível preparar adequadamente os responsáveis das comunidades. Sem o contacto e diálogo pessoal com o Senhor através da oração, individual e comunitária; sem conhecermos a sua Palavra através da leitura, do estudo e da reflexão; e sem espírito de serviço na realização dos ministérios que nos são confiados não conseguiremos superar as “realidades que mancham os nossos ministérios” a que nos referimos no parágrafo anterior, citando as Conclusões da Assembleia.

Para alcançarmos o objectivo que a Assembleia se propôs de Formar adequadamente os Animadores das Comunidades, é imprescindível insistir no sentido de pertença à Igreja (VI AD, Conclusões III, 5). Se não nos convencermos e sentirmos que a Igreja somos nós; que a Igreja é a nossa família como crentes e baptizados; que todos somos em pé de igualdade membros da Igreja com os mesmos direitos e deveres; que na Igreja (como nas nossas famílias) nenhum membro é empregado, todos igualmente somos irmãos; que na Igreja cada um tem o seu lugar de tal maneira ninguém é tão pequeno que se possa sentir excluído; que os trabalhos da comunidade pertencem-nos a todos; que todos somos responsáveis por tudo o que se faz e acontece na comunidade; então se não nos convencermos quem é assim que deve viver a comunidade cristã, então será muito difícil e até impossível acabar com as realidades que mancham a nossa caminhada ministerial.

É mais. A nossa VI Assembleia fala também que na nossa caminhada na formação dos animadores e em ordem superarmos os males apontados anteriormente, se deve ter em conta que o caminho passa necessariamente pelo testemunho da fé com os outros irmãos e no amor à Igreja que se fundamenta no amor a Cristo (VI AD, III, nº5). São verdades que todos conhecemos mas é necessário repeti-las mais uma vez e tê-las na devida consideração pois são fundamentais nesta grande tarefa de formar os responsáveis das comunidades, pois não se trata apenas de uma formação técnica como se de uma profissão se tratasse ou de um ensinamento teórico para fazer melhor uma determinada tarefa nas comunidades. Trata-se de formar de tal maneira os animadores das comunidades que eles se sintam colaboradores íntimos de Cristo Pastor na condução do seu rebanho. E, ao mesmo tempo, que a sua tarefa não é um trabalho para ser feito de maneira isolada ou à margem dos outros animadores e, pior ainda, à margem dos outros cristãos. Os ministérios são feitos em colaboração e união com os outros e tem como objectivo o bem da comunidade e o testemunho cristão no meio da sociedade. Sem testemunho da fé  unidos aos outros irmãos e sem amor à Igreja à qual pertencemos é impossível termos e formarmos os responsáveis que as nossas comunidade necessitam.

6. Programação das Actividades para o Ano da Formação

Nesta altura em que vos escrevo, o Programa de Actividades para o Ano da Formação está já em andamento e mui avançado.

Nesta primeira fase, no mês de Março e princípios deste mês de Abril realizaram-se encontros de Formação organizados pelo Secretariado Diocesano de Pastoral, e com a colaboração de alguns Padres, Irmãs e Leigos, em cada uma das Quatro Regiões Pastorais: Em Invinha, Muliquela, Malua e Mualama. As notícias são encorajantes pelo número de participantes, pela colaboração de tantas pessoas e pelos temas desenvolvidos. Houve também algumas falhas, como acontece sempre em qualquer obra humana. Algumas das nossas Paróquias e Capelanias não conseguiram enviar os seus animadores aos encontros programados. Espero que esta e outras falhas se possam superar nos próximos encontros até ao fim do ano.

CONCLUSÃO

Os frutos que esperamos não serão imediatos. Como todo processo formativo precisa de tempo suficiente para assimilar e, depois, por em prática os ensinamentos recebidos. Confiamos no Secretariado Diocesano a seguir pelo caminho apenas traçado. É necessário inverter mais na formação dos responsáveis pelos vários ministérios e serviços se queremos consolidar a Igreja local em vistas de um renovado esforço na evangelização. Temos que “sair” das nossas comunidades e irmos ao encontro dos nossos irmãos que anseiam por verdade e vida, por uma verdadeira libertação. Toda a nossa Diocese sente-se em estado de Missão.

Com Maria, Mãe da Igreja evangelizadora, poderemos compreender o espírito deste novo impulso missionário na nossa Diocese. À Mãe do Evangelho, como a chama o Papa Francisco, pedimos a sua intercessão para que esta nova etapa pastoral na Diocese seja acolhida por todas as comunidades, padres, religiosas e religiosos e leigos comprometidos na evangelização. A todos a minha bênção e conforto de pastor.

 Gurúè, 21 de Abril de 2014, Solenidade da Páscoa do Senhor. Aleluia!

O Vosso Bispo
FRANCISCO

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