V
Carta Pastoral de D. Francisco
PARTILHAR,
CRESCER, CONSOLIDAR
Carta Pastoral sobre a
Partilha de bens e a sustentabilidade económica
Os cristãos e
catecúmenos da Diocese de Gurúè, seguindo os ensinamentos dos apóstolos e o
exemplo das primeiras comunidades cristãs (Act 2,44-47), queremos continuar a
darmos passos significativos na partilha de bens para que a ninguém lhe falte o
necessário para viver, para que ninguém sofra sozinho e para consolidarmos a
nossa Igreja local. Neste sentido é que falámos do ministério da Caridade, da
“Partilha” (Contribuição Diocesana ou Dízimo) e de autonomia económica das
comunidades, das Paróquias e da Diocese. Para a vida da Diocese e das suas
Paróquias, para organização e vida das comunidades e para a realização das suas
actividades não podemos continuar a depender das ajudas vindas de fora. A
sustentabilidade económica a partir da nossa realidade local continua a ser uma
das prioridades da nossa Igreja local.
Não podemos mais ficar
presos à dependência económica do exterior para o sustento da nossa Igreja. A
dependência económica não forma parte de uma boa administração. Com a
dependência económica nunca cresceremos.
Muitos ainda continuam a
dizer que não têm dinheiro para entregar “a partilha” (contribuição diocesana
ou dízimo). Muitas dessas desculpas nada mais são do que falta de
conscientização, de responsabilidade, de amor e de para com a própria Igreja e
para com os pobres. Ninguém se desinteressa com os problemas da própria
família. “A partilha” (contribuição diocesana) desenvolve em nós o ”sentido de
pertença” à nossa Igreja. É um tema exigente, requer esclarecimento,
compreensão, responsabilidade, generosidade, sentido de pertença e amor à
própria igreja
Vamos avançar vivendo,
crescendo e consolidando a nossa fé e o nosso compromisso na partilha daquilo
que somos e temos. Não se trata de darmos passos gigantes pois não temos muitos
recursos. Moçambique continua a ser pobre aos níveis da pobreza absoluta e; e
apesar de se encontrar entre os Países que mais estão a crescer (por causa dos
grandes projectos do carvão, do gás natural e do petróleo), encontra-se entre
os países mais pobres do mundo. Mesmo assim, pobres, sim que podemos fazer
alguma coisa. Ninguém é tão pobre que não tenha nada para partilhar. Jesus
louvou a viúva que deitou umas pequenas moedas nas ofertas do Templo. Elias
também elogiou a viúva que lhe ofereceu o pouco que tinha. Também nós podemos
dar da nossa pobreza e partilharmos o pouco que temos, caminhando pouco a pouco
rumo a autonomia económica da nossa Diocese.
Conseguiremos este
objectivo com a participação activa de todos os cristãos e catecúmenos. Para
isso é necessário motivar, formar e informar todos os membros das comunidades,
pois a Igreja somos todos nós. Trata-se de um assunto que nos pertence a todos.
Ninguém pode ficar excluído.
Se não estivermos
convencidos de que se trata de um assunto da nossa família cristã, então não
será possível a participação consciente, livre e generosa de todos. A Igreja
somos nós e ninguém de fora há-de vir a resolver os nossos problemas. Hoje mais
do que nunca devemos dar sinais credíveis de solidariedade entre os irmãos e
sinais de responsabilidade concreta para com a nossa Igreja.
Na II Assembleia Nacional de Pastoral, Matola
1-11.12.1991, e na II Assembleia Diocesana de Pastoral de Gurúè (Milevane
4-6.07.2002), nas suas conclusões deram-se orientações sobre a necessidade e
urgência de dar passos significativos nesta caminhada. E nas Conclusões da VI
Assembleia Diocesana de Pastoral (Gurúè 11 – 14.03.2011) decidiu-se que o tema
da Sustentabilidade económica devia ser um tema permanente durante o Triénio
Pastoral (2012 – 2014), dando orientações concretas para serem implementadas
durante estes três anos. Trata-se do caminho que encontramos nas “Orientações
Diocesanas”.
Vejamos a seguir alguns
pontos mais importantes para a reflexão e a compreensão deste tema. Podem
servir-nos como guia para o estudo.
I.-
O QUE É A ECONOMIA
1.
A palavra “economia”
A palavra “economia”
significa: boa administração das coisas da casa, isto é, administrar bem os
bens, pôr em ordem e tratar bem tudo o que se possui.
A economia envolve o
que diz respeito a administração dos bens que se possuam: dinheiro, terrenos,
casas, trabalho, produção, comercialização (compras e vendas dos produtos),
negócios, empréstimos e poupanças, isto é, guardar algum dinheiro ou depositar
nos Bancos para garantir o futuro e melhorar as condições de vida. A economia
se preocupa de como administrar os bens pessoais, familiares, comunitários,
paroquiais, diocesanos, de uma empresa, de um grupo de pessoas e até a
administração dos bens da Nação.
A economia serve para
ajudar as pessoas a administrar da melhor maneira o que se possui em ordem a
uma boa organização a própria vida e a do grupo a que se refere, fazê-la
funcionar bem consoante a própria finalidade, e aumentar os próprios recursos,
os próprios bens. Desta maneira garanta-se as condições de vida, melhora-se e
consolida-se. Facilmente podemos compreender como é necessário e importante ter
uma boa economia na vida das pessoas, nas suas famílias e na sociedade e na
Igreja.
2.
O poder do dinheiro
A Economia também tem
outra cara.
No nosso tempo é o
poder do dinheiro que faz mudar o coração das pessoas; é o poder do dinheiro
que influencia o desenvolvimento dum país. É o poder do dinheiro que determina
a vida das pessoas e dos países. Por isso é muito importante a economia a nível
de todo o país. A este nível, o dinheiro também pode ser bem o mal usado.
Todos devemos
participar nos bens destinados a todos, em vez de ser criar grandes distâncias
num mesmo país entre cidadãos muito ricos e cidadãos muito pobres. Uns cidadãos
que têm tudo e nada lhes faltam; e outros cidadãos que apenas têm o necessário
para subsistirem. Os pobres ficam cada
vez mais pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos (PAULO VI, O Progresso dos Povos, nº 8; JOÃO PAULO
II, A Solicitude Social, nn. 21-22).
3.
A boa administração
Administrar não é
apenas dar destino aos recursos financeiros (ao dinheiro) mas sobretudo
gerenciar da melhor maneira as entradas (as receitas ou todo o dinheiro que se
recolhe das ofertas e das actividades) e as saídas, isto é, usar o dinheiro
recebido segundo as orientações estabelecidas e programadas.
Administrar justamente
é também prestar contas do que foi feito, das entradas e das saídas realizadas,
e, ao mesmo tempo, informar a comunidade sobre o que foi recebido e o que foi
feito com o dinheiro recolhido. Todos devem conhecer a situação económica.
Eis em resumo as
actividades principais numa sã economia: conduzir e coordenar a administração
dos bens da comunidade; elaborar anualmente o orçamento (o que é que queremos
fazer para ano e onde vamos buscar o dinheiro necessário para esse objectivo);
administrar os recursos existentes (o dinheiro recebido e produzido pelas
actividades) de maneira equitativa segundo o estabelecido no orçamento anual;
Prestar contas ao povo, à comunidade: a administração deve ser transparente,
clara e acessível.
A contabilidade é muito
importante: manter actualizada a contabilidade (ter um livro próprio e escrever
todos os movimentos realizados). Deve-se ter arquivado os comprovantes de
recebimento e de entrega da partilha/contribuição diocesana bem como os
documentos que justifiquem todas as saídas realizadas na caixa
Como administrar de uma
maneira competente a economia (os bens) das comunidades?
Que fazer para que
todos se sintam responsáveis e participem na partilha/contribuição diocesana?
Como alcançar o coração
dos mais endurecidos?
Como manter a comunidade
unida também neste assunto da partilha/contribuição diocesana?
Além das ofertas dos
cristãos, como desenvolver alguns projectos para melhorar a nossa economia?
Em caso de escândalos,
desvios ou de outros problemas neste assunto da economia, o que fazer?
Para responder a todas
e mais outras perguntas é o que intentamos fazer nesta reflexão.
II.- NA SAGRADA
ESCRITURA
No
Antigo Testamento todos participavam alegremente
A Bíblia não é um livro
de estudos técnicos sobre o uso do dinheiro, mas ensina-nos os valores que nos
devem orientar na administração dons bens. Eis os ensinamentos mais
significativos que encontramos no Antigo Testamento
·
Os bens são um dom de Deus para todos os
seus filhos;
·
Toda a pessoa tem direito ao necessário
para viver com dignidade;
·
Acumular riquezas que não beneficiam
toda a sociedade é um pecado social que brada aos céus;
·
A verdadeira fé em Deus leva ao
desprendimento e à justiça em relação aos irmãos: socorrer os pobres, para que
todos possam ter parte nos bens da terra.
Encontramos todo o povo
a participar na organização do culto, na construção do templo e, depois do
exílio, na sua reconstrução, bem como na contribuição do dízimo. O povo
oferecia alegremente e com generosidade. Não eram só alguns os que contribuíam,
mas todos: os chefes e os simples, homens e mulheres, todos os que tinham um
coração generosos.
Ao mesmo tempo aparecem
as injustiças, a acumulação de riquezas, como sinal de poder, de prepotência e,
sobretudo, de escravidão dos pobres. Por isso que os Profetas levantaram a sua
voz para condenar tais abusos e injustiças.
Podemos ler e reflectir
os ensinamentos que encontramos nos seguintes textos:
Ex 35,20-29; Dt
12,6-7;14,22;1 Cron 29,1-9; Am 5,10-15; 8, 4-7).
Jesus
ensina-nos a partilhar
Jesus, com o gesto do milagre dos pães (Jo
6,1-15), propõe com este gesto a missão da comunidade: Ser sinal de amor
generoso de Deus, assegurando para todos a possibilidade de subsistência e de
dignidade. A segurança da subsistência não está no muito que poucos possuem e retém
para si egoisticamente, mas no pouco de cada um. que é repartido entre todos.
A generosidade da viúva
de Sarepta com o Profeta Elias no Antigo Testamento (1 Reis 17,10-16), e a oferta
da viúva que deitou apenas umas pequenas moedas no tesouro do templo (Mc
12,41-44), indicam-nos claramente que as ofertas dependem do amor e da
generosidade que a pessoa tiver no seu coração.
Jesus também ensinou a atitude perante o uso
da riqueza, da generosidade para com os pobres, o sentido e o uso dos bens materiais.
As relações económicas que devem vigorar numa sociedade que acredita em Deus
são as relações de doação total, e não as relações baseadas no supérfluo.
- O rico e o pobre (Lc
16, 19-31); o jovem rico: o Reino é dom e partilha (19,16-30; Lc18,18-30); as
bem-aventuranças (Mt 5,1-12); o
samaritano (Lc 10,29-37); a oferta da viúva (Mc 12,41-44) e o juízo final (Mt 25,31-46)
são os textos, entre outros, mais significativos dos ensinamentos de Jesus.
O exemplo
e os ensinamentos do Apóstolo Paulo
O Apóstolo Paulo, evangelizador e fundador de
comunidades, nas suas viagens apostólicas deixou-nos ensinamentos e exemplos
sobre o tema que estamos tratando. Apesar do tempo passado, tais exemplos e
ensinamentos são ainda hoje actuais e sevem-nos como orientação e guia na
organização das nossas comunidades: na união e comunhão entre os cristãos, na
colaboração de todos nas despesas da comunidade, no uso do dinheiro, na
solidariedade e na partilha dos bens.
Perguntemo-nos: de que viviam as primeiras
comunidades? O próprio S. Paulo e os outros Apóstolos, de que viviam? Como se
comportavam e se ajudavam os primeiros cristãos? Que faziam com os que passavam
alguma necessidade?
Ao lermos as Cartas e os Actos dos Apóstolos
podemos encontrar as respostas mais adequadas a essas perguntas que tantas
vezes nos fazemos. As respostas correspondem sempre a situações muito concretas
deferentes, como é lógico, às nossas situações, mas são sempre respostas de
comunhão, de amor concreto e de responsabilidade com tudo o que interessa à
comunidade. Ninguém se desinteressa com os problemas da comunidade. Todos
colaboram com espírito de família.
Normalmente as comunidades se encarregavam
pelo sustento dos apóstolos. O próprio S. Paulo afirmou, para ele e para
Barnabé, o direito de viver da ajuda, isto é, da partilha de bens da
comunidade:
“Se semeamos bens espirituais em vós, será muito
colher bens materiais de vós? Se outros exercem sobre vós tal direito, porque
não o poderíamos nós, e com maior razão?” Todavia, não usamos esse direito.
Pelo contrário, tudo suportamos para não criar obstáculo ao Evangelho de
Cristo. Não sabeis que aqueles que desempenham funções sagradas vivem dos
rendimentos do templo? E que aqueles que servem ao altar têm parte no que é
oferecido sobre o altar? Da mesma forma, o Senhor ordenou que aqueles que
anunciam o Evangelho vivam do Evangelho” (1 Cor. 9, 11-14).
Apesar dessas afirmações, o Apóstolo Paulo
comportava-se de modo diferente consoante as situações concretas em que se
encontravam as comunidades. No seu comportamento, à vezes não usou nem impôs a
norma anterior naquelas comunidades que não compreendiam tais ensinamentos.
Nesses casos, sem o negar, não usou de tal direito, e preferiu ganhar-se a vida
com o próprio trabalho:
“Com tudo, não tirei vantagem dos meus direitos.
E agora não estou a escrever para reclamar coisa alguma. Antes morrer que…Não”
(1 Cor. 9,15).
“Vós sabeis como deveis imitar-nos: nós não
ficamos sem fazer nada quando estivemos entre vós, nem pedimos a ninguém o pão
que comemos; pelo contrário, trabalhamos cm fadiga e esforço, noite e dia, para
não sermos de peso para nenhum de vós” (2 Tes. 3, 7-8).
Como bem podemos compreender, Paulo não
reivindica nenhum direito. Não considera o seu ministério coo profissão da qual
poderia tirar proveito e prestígio, mas como missão, na qual o Senhor o
empenhou pessoalmente. Ele tornou-se disponível e solidário para com todos.
S. Paulo ensina também que Deus ama a quem da com
alegria e não constrangido:
Cada um dê conforme decidir o seu coração, sem
pena ou constrangimento, porque Deus ama quem dá com alegria (2Cor 9,7). A
questão económica também fazia parte do testemunho cristão A partilha e
solidariedade em favor dos mais pobres era sinal de unidade entre as diversas
comunidades, um autêntico vínculo de comunicação do dom extraordinário de Deus
(v. 15) e de obediência ao Evangelho de Cristo (13).
Ao mesmo tempo ensina a solidariedade entre as
comunidades:
“Quanto à colecta em favor dos irmãos, fazei o
mesmo que ordenei às Igrejas de Galácia. No primeiro dia da semana, cada um
coloque de lado aquilo que conseguiu economizar; deste modo, não precisareis de
esperar que eu chegue para fazer a colecta” (1 Cor 16, 1-2). Ler também os
capítulos 8 e 9 da 1ª Cata aos Coríntios que trata da generosidade e da boa
vontade dos cristãos da Macedónio apesar da sua pobreza: “Quando existe boa
vontade, somos bem aceites com os recursos que temos, pouco importa o que não
temos” (2 Cor 8,12).
Quais são os ensinamentos que podemos tirar do
comportamento do Apóstolo Paulo? Como nos podem orientar na vida das nossas
comunidades actualmente?
·
S. Paulo apela-se à responsabilidade e
solidariedade de todos para com a vida e as actividades da comunidade. Entre
todos devemos carregar o peso de tudo o que for necessário fazer.
·
Os que trabalham exclusivamente (a tempo
inteiro) à evangelização “vivem do Evangelho”, isto é, vivem da solidariedade
dos membros da Igreja, da partilha dos bens das comunidades.
·
Ao mesmo tempo, sempre que for necessário por
causa da situação concreta da própria comunidade ou por falta de compreensão e
responsabilidade, os que exercem ministérios trabalhem com espírito de gratuidade
e generosos e vivam do trabalho das próprias mãos.
·
Temos que contribuir com sentido de
responsabilidade, com amor generoso e com alegria.
O exemplo das primeiras comunidades cristãs
Os primeiros cristãos,
fiéis aos ensinamentos dos Apóstolos, ponham tudo o que tinham em comum,
serviam-se segundo as necessidades de cada um e da própria comunidade. A
partilha de bens supera a exploração e a corrupção e o espírito de comunhão
gera concórdia fraterna e partilha de bens. Meditemos o que os Actos dos
Apóstolos nos transmitem a este respeito:
“Todos os que abraçaram
a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam as suas
propriedades e os seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a
necessidade de cada um. Diariamente todos juntos frequentavam o Templo e nas
casas partiam o pão, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração.
Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo” (Act 2,44-47).
“ A multidão dos fiéis
era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as
coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles” (Act 4,32).
“Entre eles ninguém
passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas vendiam-nas,
traziam o dinheiro e colocavam-no aos pés dos Apóstolos; depois, era
distribuído a cada um conforme a sua necessidade” (Act 4,34-35).
Podemos já dizer alguma
coisa sobre a economia cristã das primeiras comunidades partindo da leitura dos
textos referidos:
·
O fundamento: os cristãos viviam unidos
na oração, na celebração, na partilha de mesma fé.
·
As consequências da união: Vendiam o que
tinham e ponham em comum o que possuíam.
·
A partilha de bens: dividiam os bens e
partilhavam-nos entre todos de acordo com as necessidades de cada um e da
comunidade.
Efectivamente,
na Igreja primitiva encontramos o espírito de partilha de bens espirituais, em
primeiro lugar, e como consequência a partilha de bens materiais como maneira
prática e muito concreta de socorrer as necessidades das comunidades e dos seus
membros.
Tudo
isto ensina-nos que a economia vivida pelas primeiras comunidades é a resposta
organizada às necessidades de cada pessoa com o respeito e a justiça devidos à
sua dignidade. Os bens são partilhados conforme as necessidades reais da
comunidade e não segundo a esperteza de cada um.
Jesus, na multiplicação dos pães (Lc 9, 10-17), indica-nos o caminho que devem seguir os seus discípulos: o caminho da solidariedade e da partilha.
Sobre este tema da solidariedade o Papa S. João
Paulo II escreveu o seguinte:
A prática
da solidariedade no interior de cada
sociedade é válida, quando os seus membros se reconhecem uns aos outros
como pessoas. Aqueles que contam mais, dispondo de uma parte maior de bens e de
serviços comuns, hão-de sentir-se responsáveis
pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por
seu lado, os mais fracos, na mesma linha de solidariedade, não devem adoptar
uma atitude meramente passiva
ou destrutiva do tecido social;
mas, embora defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que lhes compete
para o bem de todos. Os grupos intermédios, por sua vez, não deveriam insistir
egoisticamente nos seus próprios interesses, mas respeitar os interesses dos
outros” (Encíclica A Solicitude
Social , 39).
III.- A SUSTENTABILIDADE NA TRADIÇÃO IGREJA
A Igreja, fiel ao exemplo e aos ensinamentos
apostólicos e das primeiras comunidades manteve nas suas leis a dever de cada
cristão em contribuir para as despesas necessárias para a vida da Igreja, para
as suas actividades e para a ajuda aos mais necessitados.
Na catequese aprendemos que o cristão tem o dever
de contribuir para as necessidades da Igreja. Eis o que nos diz o 5º Preceito
da Igreja: “Contribuir para as necessidades materiais da Igreja segundo as
possibilidades”.
Tal ensinamento encontramo-lo nas Leis da Igreja
(Código de Direito Canónico 222: “Os fiéis têm a obrigação de prover às
necessidades da Igreja, de forma que ela possa dispor do necessário para o
culto divino, para as obras de apostolado e de caridade e para a honesta
sustentação dos seus ministros. Têm ainda a obrigação de promover a justiça
social e, lembrados do precito do Senhor, de auxiliar os pobres com os seus
próprios recursos”.
Com tais ensinamentos a Igreja assinala e
recorda-nos dois deveres especialmente importantes para os cristãos de sempre e
de hoje que recebem uma maior força e urgência pelo mandato novo de Jesus (Jo
13,34) e pelo exemplo dos primeiros cristãos.
Se formos fiéis cumpridores desses preceitos e
ensinamentos, as comunidades poderão dispor do necessário para construir as
suas capelas, realizar os seus encontros de formação, celebrar a liturgia, ter
os livros necessários para a catequese e para as celebrações, ajudar pobres,
colaborar nas despesas gerais da Diocese e das Paróquias, na formação dos
futuros Padres e até organizar as suas festas.
Muitos anos atrás, em 1891, o Papa Leão XIII
escreveu o seguinte: “É, portanto, urgente que as Igrejas particulares de
África se proponham o objectivo de chagar quanto antes a prover às suas necessidades
assegurando desse modo a sua auto-suficiência” (Papa Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum, nº 43).
Os Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II,
também deram orientações sobre este assunto afirmando que A comunidade cristã deve, desde o seu nascimento, constituir-se de tal
maneira que possa providenciar por si mesma às suas necessidades” (Decreto Ad Gentes, nº 15).
Desde há muitos anos os Bispos de Moçambique têm
vindo a propor aos cristãos a autonomia económica, pois a Igreja em Moçambique
não pode continuar a “ser criança” e a depender absoluta e permanentemente da
ajuda dos cristãos de outros países. Mesmo que sejamos pobres, temos que
caminhar com as nossas próprias forças, dando pequenos passos que serão sempre
nossos passos rumo ao crescimento e à consolidação da nossa Igreja, uma Igreja
adulta. Chegou o momento de assumirmos com as duas mãos esta responsabilidade.
Da nossa pobreza sempre podemos partilhar algumas coisas.
Nessa mesma linha de pensamento, encontramos os
ensinamentos do Papa São João Paulo II: Os
Padres Sinodais puseram em relevo a exigência de que cada comunidade cristã
seja posta em condições de prover por si só, na medida do possível, às suas
necessidades. Além de pessoal qualificado, a evangelização requer também meios
materiais e financeiros notáveis, e as dioceses, não raro, estão bem longe de
poder dispor deles em medida suficiente. É, portanto, urgente que as Igrejas
particulares de África se proponham o objectivo de chegar quanto antes a prover
elas mesmas às suas necessidades, assegurando desse modo a sua
auto-suficiência. Por conseguinte, convido encarecidamente as Conferências
Episcopais, as dioceses e todas as comunidades cristãs das Igrejas do
Continente, a empenharem-se, no que for da sua competência, para que esta auto-suficiência
se torne cada vez mais uma realidade. (JOÃO PAULO II, Exortação Pós-Sinodal
Igreja em África nº 104).
IV.- O QUE ACONTECEU E O É QUE ACONTECE ENTRE
NÓS?
Na nossa reflexão, chegou o momento de
interrogarmo-nos: o que é que acontece entre nós que não conseguimos avançar?
Continuamos a negar a nossa partilha e a nossas responsabilidades para com as
necessidades da Igreja. Dizemos que somos pobres e que não temos dinheiro e
mais outras desculpas. Muitos até dizem que a partilha/contribuição diocesana é
um imposto e que a Igreja não pode obrigar a pagar impostos. Às vezes
assistimos a escândalos dentro da própria comunidade e entre os responsáveis
(falta de informação, desvios, enganos…), o que desperta desconfiança e pouca
credibilidade entre os cristãos. O que é que acontece para não aceitar os
nossos compromissos para com as despesas da igreja?
Os primeiros missionários não encontraram
comunidades cristãs organizadas como as que temos agora nem grande nem pequeno
número de cristãos, pelo que eles não falaram nem pouco nem muito deste assunto
da sustentabilidade económica nem no apoio dos primeiros baptizados para com as
necessidades das antigas missões. Eles viviam, trabalhavam, construíram, conseguiam
os meios de transporte e o necessário para a sua vida com trabalho e com a
ajuda dos cristãos dos seus países de origem.
O caminho seguido nessa primeira fase da
evangelização se, por uma parte fi necessário e deu os seus frutos; por outro
lado deu origem a um forte paternalismo e dependência absoluta que ainda hoje é
muito forte. É um obstáculo que não nos deixa caminhar e é muito difícil de
superar. Para qualquer actividade seja a que for (livros, construções de
capelas, cursos de formação, manutenção dos seminários, sustentabilidade dos
Padres e das Paróquias, meios de transporte) muitos pensam que isso não é com
eles directamente, são coisas do Bispo ou de outros responsáveis de fora. Desta
maneira continuamos a ser “igreja criança” que não sabe caminhar com as
próprias forças.
Estos sempre a lembrar os tempos passados dos
primeiros missionários e custa-nos aceitar que os tempos mudaram: nós já
crescemos; a igreja somos nós; toca a nós assegurar as despesas da igreja;
colaborar com as despesas da Igreja e entregar a nossa “partilha”/contribuição
diocesana não é um imposto; é um assunto que nos pertence a cada cristão e a cada
catecúmeno; é um assunto da nossa família de baptizados; todos devemos assumir
esta responsabilidade e este amor concreto com sentido de pertença a esta
família. É necessário dar este passo avante para crescer e consolidar a nossa
Igreja e assim poder anunciar e testemunhar o Evangelho de Jesus. Temos que
acompanhar este tempo novo seguindo o caminho traçado pelas “Orientações Diocesanas”.
Se continuarmos a olhar para o passado e ter
saudades da dependência das ajudas vindas de fora, as nossas comunidade e a
nossa própria diocese nunca hão de ter os meios necessários para a sua
existência e para as suas actividades; não poderemos evangelizar adequadamente,
pois sempre estaremos à espera de alguém de fora que nos garanta as nossas
actividades. Se continuarmos assim nunca teremos os Padres nem as Irmãs que
precisamos, nunca teremos os livros e as capelas necessárias; nunca realizaremos
os cursos de formação que tanta falta nos faz; nunca teremos as mínimas
condições para a consolidação da nossa Igreja e para a evangelização. Seremos,
isso sim, como um adulto que cresceu mas continua a comportar-se como criança.
V.- A SUSTENTABILIDADE NA IGREJA EM MOÇAMBIQUE
Os passos que nós, na Diocese de Gurúè, queremos
dar em vista da autonomia económica, são os mesmos passos que querem dar as
outras Dioceses de Moçambique. Algumas já avançaram bastante; outras, porém,
estão a demorar. E nós? Alguns passos já foram dados por muitos cristãos. Mas
ainda há outros que não aceitam ou se aceitam não assumem na prática esta
responsabilidade. Precisamos de continuar a mudar de mentalidade e todos
conscientizarmo-nos, esclarecendo bem os motivos que nos levam a sermos
responsáveis pela manutenção da nossa Igreja. Precisamos de acelerar o ritmo
desta caminhada.
Eis os passos dados a nível nacional:
II
Assembleia Nacional de Pastoral
A II Assembleia Nacional de Pastoral (Matola
1991), reflectindo sobre a sustentabilidade da Igreja local, indicou este
assunto como um dever de todos os cristãos e como um dos aspectos fundamentais
para a consolidação da Igreja em Moçambique. Aquela Assembleia apontou os
caminhos que se deviam seguir. Vejamos resumidamente alguns pontos mais
importantes:
Nº 36: A Igreja precisa de recursos económicos e
meios financeiros para o desenvolvimento das suas actividades, conservação e
manutenção do seu pessoal e instituições, bem como para as obras e actos de
beneficência.
NNº 37-38: Causas da situação de pobreza.
Nº 39: A igreja encontra-se dependente
economicamente do estrangeiro, o que condiciona o seu crescimento e a sua
consolidação, a sua opção e realização e a sua opção pastoral.
Nº 40: Causas de dependência económica: o
paternalismo e a mentalidade assistencialista.
Nº 41: Caminhos apontados, entre outros: a
formação da consciência do povo; a responsabilidade pela sua autonomia a todos
os níveis; a criação dos Conselhos Económicos; a formação dos responsáveis; a
programação, a informação e a transparência na gestão dos bens da igreja; o
dever de todos se conscientizar e assumirem as suas responsabilidades; o
restabelecimento e actualização das contribuições; e o estabelecimento de um
modelo comum para todo Moçambique.
III
Assembleia Nacional de Pastoral
Na III Assembleia Nacional de Pastoral (Matola
2005), tratou-se novamente da sustentabilidade e autonomia económica:
Nº 117: Não
devemos esperar até sermos ricos ara sé depois começarmos a contribuir em
benefício da nossa igreja ou dos necessitados; seria tarde para aprendermos.
Andar aprende-se enquanto se é pequenino, como nos ensinam as viúvas da Sagrada
Escritura (1 Rs 17,10-16 e Mc 12,41-44).
Nº 122: Os
exemplos das viúvas aqui citadas devem-nos animar a encontrar maneiras para
sairmos da ideia de que fomos feitos para estarmos de mão estendida e que os
outros é que devem nos ajudar. Na pobreza a disponibilidade, a generosidade, a
confiança e o espírito de entrega são necessários para que possamos fazer
coisas aos olhos de Deus e ajudarmos os outros. A superação da pobreza material
não é tudo. É necessário que isto aconteça, sim, mas tendo sempre presente a
elevação do homem à categoria de Filho de Deus.
Em ordem a todos compreenderem bem a assumirem
responsavelmente as suas obrigações como membros da igreja neste assunto da
sustentabilidade da comunidade e em pôr em prática o que for necessário e se
estabelece na Diocese, é bom que as Paróquias desenvolvam encontros de formação
com os animadores dos ministérios e com todos os cristãos. Tais encontros devem
ter em conta os ensinamentos contidos nas Assembleias Nacionais de Pastoral que
aqui resumimos para facilitar a sua compreensão.
VI.- A ECONOMIA NA DIOCESE DE GURÚÈ: COM
FAZÉ-LA CRESCER
II
Assembleia Diocesana de Pastoral
De 4 a 6 de Julho de 2002, em Milevane,
realizou-se a II Assembleia Diocesana de Pastoral, presidida por D. Manuel
Chuanguira Machado, primeiro Bispo de Gurúè, sob o tema “A Economia Diocesana:
Como fazê-la crescer”.
Os participantes estudaram o tema proposto e chegaram
a certas conclusões em ordem a procurar caminhos concretos e práticos muito
significativos na solução do problema económico da nossa Igreja.
Na homilia de abertura dos trabalhos da
Assembleia, D. Manuel Chuanguira pronunciou-se nos seguintes termos:
A
contribuição em dinheiro ou noutros bens materiais, o sacrifício que nos é
pedido para fazer crescer a economia da nossa igreja, não e uma realidade nova
na igreja; nem uma invenção do Bispo e dos seus Padres, como muitos cristãos
pensam; mas uma exigência da fé. É um imperativo que assumimos com o nosso
Baptismo. Sabemos que muitas pessoas não colaboram nos trabalhos das
comunidades nem contribuem para a Caixa da Diocese porque dizem que são pobres.
Mas não há ninguém que seja tão pobre e que não tenha nada a dar. Irmãos,
devemo-nos unir no trabalho para fazermos crescer a nossa economia.
Eis as conclusões a que chegaram na referida
Assembleia:
·
As comunidades tenham machambas comunitárias,
para enfrentarem as despesas da comunidade;
·
Haja uma só Caixa para a qual todos devem
contribuir;
·
Se estabeleça uma ordem de prioridades nas
despesas: - guardar e administrar o dinheiro; - usar o dinheiro para as festas
com critérios; - o apoio aos padres e à diocese pode ser com produtos ou
dinheiro; - a contribuição anual diocesana não é um imposto, mas colaboração
nas despesas necessárias da Diocese; subsídio mensal para os padres que estão
fora do Serviço Nacional de Educação; apoio às despesas dos Seminários; -
funcionamento do Secretariado Diocesano de Pastoral; - apoio às despesas gerais da diocese
(transporte, arranjo de carros, casa diocesana); - contribuições anuais para a
CEM (Conferência Episcopal de Moçambique), IMBISA (Conferências Episcopais da
África Austral) e SECAM (Conferências Episcopais de África e Madagascar);
ofertórios obrigatórios das Obras Pontifícias, da Caritas e da CEM.
VI Assembleia Diocesana de Pastoral
A VI Assembleia Diocesana de Pastoral, realizada
na Casa Diocesana de Gurúè, de 11 a 14 de Março de 2011, retomou o tema da
sustentabilidade económica das comunidades, Paróquias e Diocese. Nas conclusões
da Assembleia, actualizaram-se as orientações em vigor e escolheu-se o tema da
sustentabilidade como o tema permanente (transversal) para os três anos do
Plano de Pastoral (2012 – 2014). Deram-se as orientações que foram recolhidas
na nova edição das ORIENTAÇÕES DIOCESANAS. Em ordem a esclarecer e ajudar a sua
aplicação, na altura da Páscoa de 2012 escrevi uma Carta Pastoral sob o título
PARTILHA DE BENS.
Hoje, com esta minha 5ª Carta Pastoral, no último
ano do Plano Pastoral 2012-2014, quero actualizar e convidar todos os cristãos
e catecúmenos a estudar o que foi escrito e decidido na Bíblia na Tradição da
Igreja, nos Documentos da Igreja em Moçambique e da nossa Diocese anteriormente
apresentados.
Administrar não é apenas contabilizar as entradas
e as despesas do que os cristãos entregam nos ofertórios dominicais, na “partilha”/contribuição
diocesana e na gratificação com motivo dos sacramentos. Administrar significa
também gerir com transparência os bens recolhidos, criar novas fontes de
receitas, prestar contas e informar claramente a comunidade sobre as despesas
efectuadas (o que foi feito com o dinheiro da comunidade, o que se comprou, o
que foi entregue a Diocese, a entrega dos ofertórios prescritos, a ajuda aos
pobres), tudo isto apresentado os documentos justificativos das entradas e das
saídas (facturas e recibos) e escrevendo tudo no livro de contabilidade,
indicando onde se encontra o dinheiro (Caixa da comunidade ou da Paróquia, e no
Banco).
CONCLUSÃO
A “partilha” ou contribuição diocesana significa
reconhecer e agradecer os bens que Deus nos concede e também pelo fruto do
nosso trabalho; significa, ao mesmo tempo, solidariedade e responsabilidade,
amor e para com a nossa família de baptizados; significa ajudar-nos
generosamente em todas as necessidades, especialmente para com os mais pobres.
Trata-se de uma forma de agradecimento e de partilha dos dons de Deus. Peçamos
ao Senhor que a contribuição diocesana seja uma expressão do amor que sentimos
uns pelos outros e que o vivamos com alegria como nos deram exemplo os
primeiros cristãos.
Deus, Pai Bom e misericordioso, de quem procede
todo o bem, material e espiritual e que tudo orienta, seja para cada um de nós
luz e guia na partilha do que Ele nos concede como dom gratuito e como fruto das
nossas mãos. Peçamos para que ninguém se sinta marginalizado nas suas
necessidades mais urgentes e que todos saibamos cultivar o espírito de partilha
e de solidariedade seguindo o exemplo dos nossos antepassados na fé. Todos
podemos fazer alguma coisa pelo bem da comunidade.
Nos últimos anos, a Igreja em Moçambique
caracterizou-se com uma face muito própria, ainda muito valida no tempo actual:
uma Igreja base, de comunhão, de família, de ministérios e serviços recíprocos
gratuitamente oferecidos (I ANP, Beira 1977, NN. 1 e 7). Todos podemos fazer
alguma coisa para com a comunidade.
A contribuição diocesana nasce do agradecimento a
Deus e do sentido de pertença à Igreja. A contribuição diocesana só faz sentido
quando é espontânea, livre, consciente, alegre e responsável: Quando ofereceres
alguma coisa, apresenta um rosto alegre e consagra o dízimo com boa vontade
(Ecc 35,8).
Casa Diocesana, Gurúè 03 de Junho de
2014, Festa de S. Carlos Lwanga e Companheiros mártires
Vosso Bispo
Francisco
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