Carta Pastoral
“Partilha de bens”
A sustentabilidade económica e cristã na Diocese de Gurúè
Caríssimos Diocesanos
1. O tema da economia, tão debatido em todo o lado, pelos governos,
instituições públicas e privadas e nas famílias, para nós, discípulos de Jesus
Ressuscitado, para além dos seus aspectos técnicos, deve ser iluminado pela luz
do Evangelho, pelo testemunho que nos deixaram as primeiras comunidades cristã
e não só. Eis o que os primeiros cristãos nos transmitiram:
A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só
alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum. Com
grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e
uma grande graça operava em todos eles. Entre eles não havia ninguém
necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o
produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então,
a cada um conforme a necessidade que tivesse (Act 4,33 - 35).
2.Os Bispos
e os cristãos da Igreja em Moçambique, motivados com renovado empenho pelas
três Assembleias Nacionais de Pastoral dos últimos 35 anos (I ANP, Beira 1977;
II ANP, Matola 1991; III ANP, Matola 2005), queremos partilhar de facto o que a
Providência põe nas nossas mãos e, ao mesmo tempo, sentimo-nos fortemente
comprometidos e decididos a favorecer o processo de autonomia económica das
Comunidades, das Paroquias e das Dioceses.
3.Nesta
linha de procura da autonomia económica, é fundamental o contributo de cada
padre, religioso, religiosa, animadores e de todos os cristãos, sobretudo
sentindo-se comprometidos em primeira pessoa no esforço por encontrar fontes de
receitas para as próprias actividades pastorais, acabando com a ideia de que:
“… a
Diocese tem que fazer tudo pois ela é rica, recebe dinheiro de Roma e tem que
pagar o meu trabalho”.
Este modo
de considerar a problemática económica da nossa Igreja tem que ser afastado
totalmente da nossa maneira de pensar, como se a Igreja (Diocese, Paróquias,
comunidades…) fosse uma coisa e os baptizados (padres, irmãs, animadores,
cristãos) outra.
4.A II Assembleia Nacional de Pastoral
(Matola 1991) analisou profundamente as causas desta situação de dependência
quase absoluta do exterior, e indicou orientações comuns rumo à consolidação da
Igreja local, com a auto -
sustentabilidade local:
“É, portanto, urgente que as Igrejas particulares de África se
proponham o objectivo de chegar quanto antes a prover às suas necessidades,
assegurando desse modo a sua auto-suficiência”(Cfr. II Assembleia Nacional de Pastoral, nn.36-41).
5.Acabou o tempo das
“calamidades” e do período que lhe seguiu ainda muito forte hoje dos
“projectos”, sem os quais nada ou quase nada é feito. Mantinha-se e ainda se mantém
uma dependência muito acentuada dos projectos financiados do exterior. Para
qualquer coisa que se deseja fazer ou se projecta, continuamos a depender da
boa vontade do financiamento exterior e do pouco ou quase inexistente das
nossas próprias forças. Nas três últimas décadas, a Igreja em Moçambique vem-se
debruçando constantemente sobre esta realidade para melhor compreender e
assimilar a responsabilidade de cada cristão de prover as necessidades da vida
da Igreja, das suas actividades e demais subsídios necessários à evangelização.
6.A situação de pobreza
absoluta que afecta a maioria da nossa população e a nós próprios, afecta
também a nossa Igreja, pois ela está inserida no nosso meio. A Igreja já deitou
raízes no nosso povo, nós próprios somos a Igreja. Este problema está também
unido à promoção humana, pois a Igreja sempre desenvolveu a sua missão
evangelizadora paralelamente com a promoção humana. Na fidelidade aos
ensinamentos e ao exemplo de seu Mestre, a Igreja sempre se preocupou com as necessidades
básicas do homem:
“Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber,
era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e
visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo” (Mt 25, 35-36).
7.Torna-se
difícil corrigir a mentalidade paternalista e assistencialista como em grande
parte dos casos era feita a pastoral e demais actividades da Igreja. De facto,
tal maneira de agir criou nos cristãos um mal-entendido sobre o potencial
económico dos Padres, das Missões, da Igreja e sobre a sua nula
responsabilidade neste sector tão importante para consolidar a Igreja local.
Muitos pensam ainda hoje erradamente:
“A Igreja é rica! A Igreja é que deve dar e não o crente até porque a
esmagadora maioria das pessoas é pobre!” (III Assembleia Nacional de Pastoral, nº 116).
8.Não
devemos esperar sermos ricos para contribuirmos para as despesas da nossa
família. A Igreja somos nós e cada um contribui livremente e segundo as suas
possibilidades para com as necessidades dos seus irmãos e da sua Igreja. O
exemplo da viúva pobre do Evangelho que ofereceu no Templo apenas umas pequenas
moedas foi elogiado pelo próprio Jesus. Os ricos dificilmente olham para o
pobre nem para as necessidades da Igreja. Eles olham para os seus próprios
interesses:
“Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão
deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. Mas veio uma viúva pobre e deitou
duas moedinhas, uns tostões. Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos
digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; porque
todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto
possuía, todo o seu sustento.» (Mc 12, 41-44)
9.Na última sessão do Conselho
Presbiteral (04.04.2012) e, posteriormente, na reunião mensal da Comissão
Diocesana para os Assuntos Económicos, foi feita uma revisão trimestral do Orçamento Geral da Diocese (OGD 2012)
para a distribuição dos subsídios mensais e demais despesas diocesanas
(Subsídios para os Padres e as Paróquias, Seminários, Secretariado de Pastoral,
Casa Diocesana, carros, etc.). Os bens de que dispomos e distribuímos são dons
da Providência provenientes da contribuição dos cristãos e do subsídio
ordinário de Propaganda Fide. Não há neste momento mais outras fontes de
receita. Os subsídios para os projectos estão totalmente sujeitos aos
respectivos Projecto (Ver o Anexo: ORÇAMENTO PARA O ANO DE 2012).
10.Convido-vos a fazer uma
reflexão séria sobre a economia diocesana, apresentando a situação da nossa Diocese
e indicando algumas orientações para o futuro em consonância com as ORIENTAÇÕES
DIOCESANAS ACTUALIZADAS, fruto da VI ASSEMBLEIA DIOCESANA DE PASTORAL.
11.Acredito profundamente que o
que se distribui pelas paróquias é o que nos vem da Providência: isto é, o
subsídio ordinário de PROPAGANDA FIDE, algumas ofertas que vão aparecendo uma
ou outra vez, mas muito raramente, a Contribuição Diocesana Anual dos próprios
cristãos e o que oferecem pela celebração dos sacramentos e das visitas
pastorais. Certamente este é o espírito com o qual devemos receber estes
subsídios e os subsídios dos Projectos, destinados aos pobres, às nossas
actividades pastorais e ao nosso próprio sustentamento. O que a Providência nos
dá deve ser distribuído no espírito da economia de comunhão das primeiras
comunidades cristãs.
12.Todos sabemos que a crise
económica mundial reduziu dramaticamente as somas dos subsídios que a Propaganda Fide e os demais benfeitores
(Missio, Kirche in Not, Manos Unidas,
Mãos Unidas, etc.) podem distribuir de facto. Esta situação se, por um lado,
é desagradável e nos cria sérios problemas sem solução imediata, por outro lado
obriga-nos a começar ou a intensificar com maior urgência a economia sustentável a partir
de bases locais.
13.Durante as duas décadas de
vida da nossa Diocese, os subsídios distribuídos (ordinários e extraordinários)
se, por uma parte, foram uma ajuda válida para o crescimento das nossas
paróquias e de toda a Diocese no seu conjunto; por outra parte, não favoreceu o
estudo e a procura em como criar fontes de economia locais para o sustento da
Igreja e das obras da Evangelização, isto é, a formação dos agentes da
pastoral, a vida das comunidades e das Paróquias, os Seminários, os Noviciados,
o clero diocesano, os meios de transporte, a reabilitação e manutenção dos
edifícios (casas paroquias, igrejas e capelas), publicações de livros e demais
actividades pastorais. Tudo ou quase dependeu e depende ainda hoje dos
Projectos.
Autonomia económica
14.O Bispo
e todos os cristãos da nossa Igreja Diocesana, motivados com renovado empenho
desde a VI Assembleia Diocesana de
Pastoral (Março 2011), queremos partilhar de facto o que a Providência põe
nas nossas mãos e, ao mesmo tempo, sentimo-nos fortemente comprometidos e
decididos a favorecer o processo de autonomia das Comunidades, das Paroquias e
de toda a Diocese.
15.Nesta
linha de procura da autonomia económica, é fundamental o contributo de cada
missionário, padre diocesano, religioso, religiosa, animadores e de todos os
cristãos, sobretudo sentindo-se comprometidos em primeira pessoa no esforço por
encontrar fontes de receitas para as próprias actividades pastorais, acabando
com a ideia de que: a Diocese tem que
fazer tudo pois ela é rica, recebe dinheiro de Roma e tem que pagar o meu
trabalho.
Tal maneira
de pensar tem que ser afastada totalmente da nossa mente, como se a Diocese
fosse uma coisa e os baptizados (padres, irmãs, animadores, cristãos) outra.
16.Isto
obriga-nos a começar com a redução gradual dos subsídios mensais no futuro
imediato, se não houver uma aceitação prática da entrega da Contribuição
Diocesana como foi estabelecido na VI ASSEMBLEIA DIOCESANA DE PASTORAL, pois o
subsídio ordinário de Propaganda Fide não é suficiente para manter o subsídio
actual até ao fim do ano: “A Contribuição
Anual Diocesana por cada cristão a partir dos 16 anos de idade é de 50,00MT ou
o equivalente em produtos não perecíveis” (Cfr. Orientações Diocesanas, nº 119).
17.Este é
um dever dos cristãos para com a Igreja que começa, primeiro na mente e no
coração; só depois é que cada um vai contribuir da melhor maneira, segundo o Quinto Preceito da Igreja que estabelece
o seguinte: “Contribuir para as
necessidades materiais da Igreja, segundo as próprias possibilidades”.
18.Vivendo
neste mundo globalizado, sociedade de consumo, também nós somos tentados pelo
seu estilo de vida, em contradição com a miséria e a pobreza da maioria da
população a quem devemos anunciar o Evangelho.
Torna-se
necessário por parte de todos estarmos atentos a estas tentações que dificilmente
aparecem na lista dos nossos pecados.
Um passo em frente
19.Todos nós
devemo-nos sentir responsáveis e comprometidos em primeira pessoa nesta procura
de caminhos concretos (Cfr. Orientações
Diocesanas, nº 185). De facto, para chegarmos a uma autonomia económica é
necessária a colaboração de todos com espírito de fraternidade, rejeitando toda
a forma de juízo e de arrogância. É necessário organizarmo-nos para termos os
meios materiais para a vida da Igreja e das suas actividades (Cfr. Orientações Diocesanas, nº 186).
Vos
apresento algumas sugestões que nos podem ajudar neste caminho:
a. -Formação
As Orientações Diocesanas afirmam que “Perante a falta de formação e de informação
dos fiéis sobre a auto- sustentabilidade da Igreja, urge que todos nos
empenhemos no trabalho de conscientizar os cristãos para assumirem como
próprias as necessidades económicas da Igreja” (OD, nº 185,c).
Alem da referida formação de base de todos
os membros da comunidade, é necessário a formação de ecónomos aos vários níveis:
leigos, religiosos (as) e clero. Devem ser pessoas com experiência pastoral e
identificadas com a própria Igreja que possam assumir com amor, sentido de
pertença, dedicação e competência a animação das comunidades, Paróquias e
Diocese para esta finalidade. O Secretariado Diocesano de Pastoral há-de
preparar uns temas apropriados para os cursos de formação nesta área. Com este
material esperamos que cada Paróquia realize cursos de formação para os
ecónomos das comunidades e da Paróquia.
b.-Conselho para os Assunto Económicos
Onde ainda não exista, haja a constituição do Conselho para
os Assuntos Económicos nas Paróquias e nas comunidades, segundo as Orientações
Diocesanas. O número dos membros deve ser impar (3, 5 ou 7), para evitar os
empates nas votações (Cfr. Orientações
Diocesanas nº 188).
c.-Orçamento anual
No princípio de cada
ano é necessário prever as despesas anuais, fazendo o Orçamento Geral da
Paróquia (e no seu caso, o de cada Comunidade ou Zona), que deve ter em conta
as despesas correntes do ano anterior e as possíveis despesas ordinárias e
extraordinárias do ano que começa. Trata-se do que chamamos as “Entradas ou Receitas” e as “Saídas ou
Despesas”. (Cfr. Orientações Diocesanas
nº 188).
d.-Livro de Contabilidade
Cada Paróquia deve ter
o seu Livro de Contabilidade actualizado, onde se escreve todo o movimento das
contas, o que se recolhe e o que se gasta: todas as “entradas” (receitas) e
todas as “saídas” (despesas) (Cfr. Orientações
Diocesanas nº 189).
.
e.- Seminários.
Torna-se necessário
fazer uma análise sobre os nossos seminários e a contribuição das famílias e das paróquias. Com
a diminuição dos subsídios da Propaganda Fide, aumento do custo de vida e com a
criação do nosso Seminário Propedêutico de S. José (1º Ano), torna-se
necessário fazer uma análise sobre os nossos seminários: a contribuição em
géneros ou em dinheiro das famílias e das paróquias.
O nosso Seminário de S. José de Gurúè, deve manter-se com a
colaboração directa das Paróquias, especialmente em géneros. Cada paróquia
assumirá as despesas deste seminário durante um mês com produtos alimentícios
(milho, arroz, feijão, mandioca, batata, cebola, alho, bananas) e animais
(galinhas, cabritos, etc.), segundo as suas possibilidades.
f.-O uso do dinheiro pessoal e do
dinheiro da comunidade.
Devemos pensar que
tudo o que recebemos das comunidades, do subsídio diocesano ou dos benfeitores,
provem da Providência, pertence a todos e todos somos chamados a partilhar o
que recebemos; devemos justificar o uso que foi feito do dinheiro recebido
(subsídios, ofertas, projectos…).
g.-Revisão das despesas gerais que
fazemos normalmente e, de modo especial, na manutenção dos carros e nas viagens
não necessariamente pastorais. É necessário que nos interroguemos se nos
devemos permitir tantas viagens por qualquer motivo. É justo deixar a Paróquia
por qualquer motivo?
h.-Trasparência
Perante o pedido de
justificação das despesas feitas, da contabilidade escrita e actualizada
devidamente, muitos podem sentir-se ofendidos. Justificar o dinheiro recebido e
como foi usado é normal em qualquer sociedade ou grupo que queira ser justo e
transparente no uso do dinheiro sem ter nada a ocultar. Isto não é falta de
confiança, simplesmente uma lei de justiça e de transparência. Isto faz parte
essencial da pobreza do Evangelho. Dificilmente entra na lista dos pecados de
um evangelizador e de um pastor da Igreja.
20.Subsídios
Na Distribuição de
subsídios mensais:
·
Os subsídios mensais recebidos da Administração
Diocesana são para a sustento dos padres que não tem outras fontes de receitas,
para as necessidades mais urgentes da paróquia, para a manutenção ordinária da
casa diocesana, para os seminários e para o Secretariado Diocesano de Pastoral.
·
Os Seminários, as casas de formação de religiosos
e religiosas e os centros de leigos: todos nós devemo-nos sentir comprometidos
em primeira pessoa em manter estes centros de formação, pois são o futuro desta
Igreja local, (“Consolidar a Igreja local”: evangelização, sacerdotes,
religiosos/as e agentes de pastoral a todos os níveis), em comunhão com toda a
Diocese. Peço mesmo uma colaboração económica, segundo as suas possibilidades
aos Religiosos e Religiosas que mantém actividades económicas na Diocese, nos
termos que cada comunidade achar mais conveniente.
·
É necessário também recordar aqui a obrigação de
enviar sem esperar o mês de Dezembro, por fases ou tudo de uma vez, à
Administração Diocesana ou à Secretária da Diocese, a Contribuição Diocesana Anual
segundo as normas assumidas na VI Assembleia de Pastoral e já vigentes na
Diocese (Cfr. Orientações Diocesanas,
nº 191). Quem recebe a Contribuição passará um recibo à quem entrega o dinheiro
para poder justificar perante os
cristãos a entrega feita.
21. A luta contra a
pobreza um dever de todos
A última das orientações sobre os caminhos
a seguir é que a luta contra a pobreza e a dependência absoluta do exterior é
um dever de todos os cidadãos e para nós os cristãos por imperativo evangélico
e por dignidade humana. A III Assembleia
Nacional de Pastoral conclui com estas palavras:
“A
superação da pobreza material não é tudo. É necessário que isto Aconteça, sim,
mas tendo sempre presente a elevação do homem à categoria de filho de Deus”
(III ANP n.122).
22.Faço um apelo ao espírito de
comunhão diocesana e de família, à co-responsabilidade e partilha, ao sentido
de pertença a esta Igreja local, de ser e de estar em comunhão, que deve animar
a nossa evangelização e todas as nossas actividades pastorais.
23.Na Diocese, família reunida
no nome do Senhor, todos nos devemos sentir acolhidos como irmãos (cf. Rom 15,
7), interessarmo-nos uns pelos outros, evangelizar unidos numa pastoral de
comunhão e de conjunto, partilhando as alegrias, os sofrimentos e as esperanças
da Diocese seja qual for o trabalho ou actividades que cada um exerce.
Esta comunhão é alma e a vida
da nossa família diocesana, desta Igreja local de Gurúè que caminha nas terras da Alta Zambézia.
Gurúe, 1º de Maio de 2012
Festividade de São José Operário
Vosso Bispo
+Francisco
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